20 dezembro 2011

O acerto de contas

"A violência é tão fascinante, e nossas vidas são tão normais, você passa dia e noite e sempre vê, apartamentos acesos"  Renato Russo

Um, dois , três, quatro, cinco disparos. Os estrondos secos perfuraram a noite de verão, onde sorrisos e semblantes cansados se perdiam entre cerveja, pizza e horas de trabalho. 
O ônibus fez a curva, o homem correu, e antes que parasse no ponto arrematarem-lhe mais três projetis na cabeça. Os passageiros deitaram-se no chão e num sopro de segundo as respirações estavam mais fortes, os olhos arregalados, as vozes em silêncio e consolo. 
Os celulares ligavam desesperados enquanto o sangue ainda quente escorria pelo asfalto. Uma vida que se esvaiu num acerto de contas, espalhando sua dívida a quem passou, ouviu, observou. 
Num instante a conversa dá lugar ao grito, os corpos abaixam-se acuados. 
Definha o corpo no asfalto enquanto as vítimas fogem e escondem-se acuadas e tementes, sabendo que hoje ainda não foi seu último suspiro, mas que o amanhã, incerto, não lhes pertence. 


19/12/2011 - Por volta das 21h55min

Ainda não achei nenhum notícia sobre o ocorrido na imprensa.  


http://www.youtube.com/watch?v=CbjLS0ZuVm4

14 dezembro 2011

Não há guerra que dure pouco, batalha que não se estenda, revanche que não se peça. As vezes deixamos casas, causas pelas quais lutamos. O pior da guerra é olhar para trás, perceber quantos pedaços faltam, deixar o sangue fixo nas paredes pelas quais nunca mais entraremos. A guerra termina e a gente nem se lembra mais como ela começou.

07 novembro 2011

A USP, os estudantes, a polícia e a revolução

Não foi a primeira, nem será a última invasão, até mesmo porque concordando ou não com os estudantes, não de pode negar que eles colocaram a USP em pauta mais uma vez. 

Não sejamos também ingênuos: por mais que o motivo que levou a maioria ao protesto seja o anseio de se drogar numa suposta Zona Livre que é a universidade, sua reivindicação não é totalmente inválida.  

Não é dever da PM patrulhar a universidade, pode parecer estranho, mas não é. Assim como não é dever dela patrulhar a Volkswagen, a padaria da esquina, descer o cacete nas passeatas, cometer abuso de autoridade ou investigar crimes. Investigar crimes? Sim, investigar é dever da polícia civil assim como a segurança da USP é dever de uma guarda específica dentro da própria universidade.

 Não sejamos tolos em acreditar que o estado justo agora se lembrou da USP, que há muito tempo já tem altos índices de furto e violência. Para protegê-la, que coincidência  designou justamente sua polícia de combate, numa zona na qual sua entrada é sempre receosa devido às inquietações políticas.

Não lembra do regime militar? Aquele governo que matou e torturou, responsável pela grande crise brasileira dos anos 80. Governo esse que os estudantes lutaram contra, em prol do sonho romântico do comunismo. Comunismo infelizmente sangrento da União Soviética, que instaurou ditaduras tão sanguinárias quanto a nossa.
  
Não, esses estudante não pretendem fazer revolução socialista, até porque em 2011 isso parece sem sentido. Mas sua segurança não pode ser deixada nas mãos de quem vai reprimir qualquer voz, revistar qualquer corpo. Mesmo que muitos infelizmente estejam apenas preocupados na maconha que vão fumar, quem deve cuidar de si é a própria USP, num esquema montado por ela, cabendo a ela não fazer vista grossa às drogas ou à violência.  

Não sei quem é dessa reitoria, mas garanto que parte dela já estudou, já protestou, já teve medo e já apanhou. Hoje aperta as mãos do modelo de Estado que outrora criticou. Hoje joga na mão dele um dever que é seu: garantir a segurança no Campus. 

Não é fácil, não afirmo que é. Assim como não acho que a universidade deve ser Zona Livre da lei. Contudo não devemos nos esquecer que na política não se dá ponto sem nó e PM na universidade me parece um nó da marinha.  



P.S Não, isso não é um conto. 

30 outubro 2011

Feliz dia das Bruxas :)

Histórias de Duende

Mariana acordou assustada com o vulto em seu quarto. Estava certa que de que havia ouvido uma voz grave falando ao seu ovido. Acendeu a luz, e segurando o medo pela boca, olhou por debaixo da cama.
Sabia, lá estava ele, os olhos vermelhos, a pela crespa e esverdeada, as mãozinhas de quatro dedos. Mariana deu um pulo para trás e um grito, pegou uma vassoura e preparada para atacar olhou novamente por debaixo da cama.
O Pequeno duende implorou piedade, e dos olhos vermelhos saíam lágrimas tão azuis quanto o céu da noite. Aos poucos as mãos de Mariana baixaram e o duende, percebendo a caridade, se apresento, ainda tremendo de medo.
- Zuricate.
- Mariana.
Aos poucos o medo deu lugar a uma conversa tranquila e Zuricate contou que escapara do seu mundo pelo portal do sol. Queria apenas ter dado uma passeio pela terra, que diziam ser uma planeta tão verdinho e cheio d'água, mas perdeu-se junto aos prédios e às casas cinzas. Não sabia voltar, não sabia nem onde estava.
Mariana ouviu também que no mundo dos duendes o sol se punha somente quando a brincadeira perdia a graça, ouviu que o céu  brilhava e  que as núvens de algodão doce podiam estar ao alcance das mãos.
A conversa se seguiu pela noite, e quando o assunto se perdeu, Zuricate pediu ajuda a Mariana, pois ele não sabia mais o caminho de casa. Mariana ficou confusa, disse que estava tarde, mas os olhos vermelhos do duende a convenceram, principalmente quando ele disse que o portal se fecharia assim que o sol humano nascesse.
Mariana decidiu-se, pulou a janela de mãos dadas com Zuricate. Juntos correram pela noite, reviraram a cidade, tiveram medo, aflição, caminharam até que as pernas se cansassem, mas o portal do sol ficara invisível atrás dos prédios cinzas.
Mariana teve uma ideia. Subiu esperançosa até o andar mais alto de um prédio mais vistoso mas ao invés do portal deparou-se com os primeiros raios de sol que brotavam no horizonte. Zuricate teve medo, segurou firme a mão de Mariana e vendo-se sem saída fez brotar de seus olhos lágrimas cristalinas. 
Os raios de sol iluminaram todo e céu, cortando-o tão rápido quanto um vulcão que explode. O azul da manhã tornou-se vermelho, depois amarelho e branco. Mariana apertou a mão de Zuricate tão forte quanto pôde e de repente um clarão lhe encobriu a vista.

Mariana acordou assustada com um vulto em seu quarto. Estava certa que de que havia ouvido uma voz suave falando ao seu ouvido. Acendeu a luz, e segurando a aflição pela boca, olhou por debaixo da cama. Sabia, lá estava ele, os olhos vermelhos, a pela macia e esverdeada, as mãozinhas  imóveis de apenas quatro dedos. Mariana  sorriu, aproximou-se, pegou o boneco pelas mãos e ainda pôde ouvir Zuricate agradecê-la suavemente ao pé do ouvido.

22 outubro 2011

O Rebanho Alheio


"Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus..."


Diga-me, deus nosso, era esta a imagem que procuravas? Era esta a salvação que teu nome pregava? Nasceu mesmo este homem apenas para viver após a morte em teu reino?
"E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais..."


Prega-se o medo, buscam-se corpos, além do azar, do fim. Embebidos pela musa divina vão-se antigos amigos, tampam-se os olhos, vedam-se ouvidos. Tocam-nos sempre na fraqueza certa em sua generosidade pseudo honesta.
"Mas que vejo eu ali... que quadro de amarguras!
Que canto funeral!... Que tétricas figuras!...
Que cena infame e vil!... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!"

Mãos atadas em sorrisos prontos. Estão-se presos por vontade? Mentes lacradas, a loucura enrustida sob almas aflitas. Às vezes contam-lhes mentiras, mas a fé pode torná-las verdades em esboço. Só responsa-me, deus meus, era assim que idealizaras?
"Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!"

As vozes se perdem juntas, suplicam por salvação em transe.

"Ai! Quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!..."


Nada há ali, apenas paredes e pessoas. Brilha a peste reluzente, transforma ouro em salvação. Espatifam-se os sonhos coerentes, queimam-se as antigas letras ingratas da maldição. 
"Fatalidade atroz que a mente esmaga"


Agora são máquinas repetidoras, apenas e nada mais. Frutos da ganância, meras figuras insanas e fanáticas. Livre arbítrio controlado, respeito à cultura alheia confiscado. Doam a alma a quem porta o verbo, que as compra e vende a cada dia.
"Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!..."

Que deus é esse dito homem que carrega a verdade absoluta? Que deus é esse que afoga-lhes as mágoas em frases sem sentido? Quem é ? Quem pensa ser, afinal?

"Deus não está em grandes casas de madeira. Lasque uma pedra Eu estarei lá, feche seus olhos e irá encontrar-me..."

(Documento declarado como heresia)

26 setembro 2011

Brindemos

- Brindemos! - disse alto o velho louco. O bar todo virou-se para ele, pronto a reptrimí-lo. - Brindemos às nossas angústias, aos rostos perplexos a cada sentimento remoído. Ao meu, ao teu, brindemos! - Bebeu um gole e apenas dois ou três jovens fanfarrãos acompanharam-no em tom de brincadeira.

O velho sentou-se novamente, serviu-se doutra dose de conhaque e ficou por mais aquela noite sozinho, observando cada moça que lhe olhava feio, cada jovem que lhe dava trela afim de colher um par de risadas.
Nem sempre fora assim: velho, caquétipo, louco. Houvera outros dias, quando o velho Brandy ainda tinha 23 ou 25 anos. Costumava sair sozinho. Eram outros tempos, sentava-se às mesas e antes de pedir sua própria dose, ele costumava servir uma bela dama. Brandy não era exatamente seletivo, bastava-lhe um par de pernas e uma cintura mais fina que a sua própria.
- Brindemos - dizia ele à jovem ainda sentada na outra mesa. Nem sempre elas brindavam, mas Brandy era experiente e sabia ler nos olhos delas o interesse. Aproximava-se apenas quando tinha certeza e controle.
Brandy tinha 23 ou 25 anos. Saíra de casa preparado para a noite fria. Ventava mais do que de costume para maio e mesmo o casado e cachecol pesados permitiam ao frio transpassar os ossos. Chegou ao bar tremendo, as largas orellhas congelando por baixo da touca. Acomodou-se próximo ao balcão vazio.
- Schoth, por favor - O garçom lhe serviu na verdade conhaque e sinalizou uma mesa ao fundo. A jovem sentada nela ofereceu-lhe um brinde e Brandy, visivelmente desconcertado brindou com ela.
- Quem é a moça? - Cochichou ao garçom.
- Ela pediu que o senhor mesmo fosse perguntar. - Brandy olhou para baixo, pensou alguns segundos. Normalmente sexo fácil ou é pago ou perigoso, pensou consigo antes de dar os primeiros passos em direção à mesa. Deu um gole largo no conhaque e fez cara feia. Conhaque não era seu preferido, também não gostava do jogo da incerteza...
- ...de poder não estar no comando - Sussurrou-lhe ao ouvido a voz feminina. Quando Brandy se deu conta ela estava ao lado dele, sentada no balcão e sorrindo maliciosamente. Por alguns segundos Brandy mediu-a mudo.
- Não é a melhor forma, esta, de conversar com alguém. - Disse ela encarando o jovem Brandy ainda mudo.
- Saiba apenas que não sou nada do que você já pensou sobre mim - Ali, ela arrancara um sorrisinho de Brandy, que deu mais um gole no conhaque e fez cara feia.
- Eu prefiro Wishky - disse ele - ainda mais nesses dias frios. - Desta vez foi ela quem sorriu, mostrando os dentes alvos e levemente tortos na frente.
- Com o tempo, conhaque se tornará seu preferido. - A conversa se alargou até as mesas serem limpas e empilhadas. Brandy falou pouco e antes de terminar o último gole sentou-se ao lado dela na sarjeta. Os olhos levemente caídos derramaram-se no ombro dela.
- Eu posso ir pra casa, só ou acompanhado. - disse ele numa voz tão arrastada que custou a completar a frase.
- Quem anda pelas ruas, casa não tem - Cantaroulou ela.
- Casa não tem, não senhor - Brandy completou gargalhando.
A rua estava escura e os garçons já tinham ido embora há muito pela saída dos fundos.
- A solidão que persegue, aquela mesma do amor.- Continuaram a melodia
- Sem cor a gente envelhece, foi solidão que ficou...

Brandy acordou em casa, a cabeça ardendo, a roupa limpa dependurada sobre a cama, o silêncio. Serviu-se de um Schoot pra arejar a mente e nunca lhe parecera tão forte e amargo. Observou se havia vestígios de sexo ou roubo e ficou aliviado ao encontrar a carteira e ler o bilhetinho preso a ela.
Sob o silêncio tomou banho, fez a barba aprontou-se para outra noite, desta vez no mesmo bar.
Brandy caminhou na noite fria, sentiu outra vez o vento forte, bebeu outra dose de wiski mas preferiu conhaque. Voltou pra casa solitário e sóbrio. Brandy se perdeu por entre as ruas, rodou só por entre as noites, voltou sempre ao mesmo bar.
Talvez tivesse 23 ou 25 anos. Sentou-se no balcão e resmungou qualquer coisa. Serviram-lhe conhaque. 
Bebeu a dose devagar, sob a penumbra, e quando as mãos trêmulas permitiram, abriu a carteira. Os dedos grossos, as atiuculaçôes rijas, a pele carcumida, as olheiras fundas, os olhos brancos. Desdobrou o amarelado papel escrito à mão, observou-o por alguns segundos. Serviu-se novamente do conhaque até o copo transbordar, levantou-se, saldou a todos e disse:
- Brindemos! Ao meu ao teu. Às nossas angústias, a cada sentimento aniquilado, brindemos!

20 setembro 2011

Gotas

As gotas caminham uma atrás da outra. Correm, trombam-se, rebatem-se.
Ah! Gotinhas! Cantarolam em fila indiana; ploc, ploc, plaf!
São crianças, escorregam, desandam, desmontam...oooh!
Lá vão elas, que graça.
Corre pula, cai! De frente, de costas, demais.
Dançam, vão as gotas no mesmo rítimo: redonsilhas, rebolando redondinhas.
De lá pra cá, daqui pra lá. Dançam as gotas, até evaporar.

05 setembro 2011

Segredos


Carlos caía e um certo desespero tomou conta dele como um todo. Os olhos esbugalharam-se, o ar faltou e não havia mais o que fazer. Um tranco, de repente o barulho. Carlos abriu os olhos e viu-se caído no chão abraçado ao travesseiro, tremia. Levantou-se assustado, pudera, um pesadelo daqueles se repetindo tantas noites. Foi ao espelho, escovou os dentes, lavou o rosto, ajeitou os cabelos com o pente e com a mão esquerda, colocou as lentes de contato, limpas e bem guardas com duas gotas de soro fisiológico em caixinhas de cores distintas. Desligou o despertador que ainda guardava cinco minutos antes de tocar.
Carlos estava sozinho em casa, para sua paz, a mãe saíra cedo para trabalhar. Comeu duas habituais torradas e um copo de iogurte com fruta da estação.
Estou novo, pensou consigo abrindo um sorriso bobo daqueles que ainda tem alguma esperança na alma. Saiu no horário de sempre, nem um minuto a mais, nem a menos. Voltou para casa na hora correta, sem atrasos, sem preocupações.
Carlos era organizado, o filho bonzinho, desses que toda a mãe sonha em ter. Boas notas, cuidadoso, boa aprência, dava a atenção específica e correta para tudo. Não reagia às broncas, sempre apartava brigas. Era fechado, quieto, às vezes parecia infeliz embora sempre fosse esperançoso. A vida tinha que ser certa, não só a sua, mas a de todos. Desejava a esposa direita, para casar, para ser nos costumes.
Carlos não gostava muito de sair, preferia sua casa, seu canto, mas naquela noite a idéia da festa pareceu boa quando os colegas insistiram para que ele fosse. Passou um perfume que ganhara de alguém, saiu animado e arrumado.
Lá não dançou, não gostava e não sabia. Ficou sentado, curtindo sozinho enquanto os colegas ficavam na pista. Este não é meu mundo, não é para mim, pensava enquanto balançava no rítmico de lá para cá. A música ficou mais alta, barulho, baderna, e Carlos o contraste; sentado no seu balanço mole; o som ensurdecedor, e Carlos quietinho.
Frango, moça, estranho, nerd, bizarro. Estava acostumado a ouvir tudo isso, mas naquela noite sentiu-se à vontade, mesmo olhando perdido para toda aquela gente e ainda perguntando-se o que fazia por ali.
Algumas vozes embriagadas chegaram a atormentá-lo mas ele só se abalou quando uma delas falou mais alto que as outras. Carlos apenas levantou, não respondeu e saiu, cedeu seu lugar e deixou sobre a mesa o resto do suco que bebia. 
Mas o provocador debochou, deixou que o suco se derramasse na roupa de Carlos e sugeriu que aproveitasse a viagem ao bar e já comprasse duas bebidas.
Assustado com tudo aquilo e todo atrapalhado, Carlos dirigiu-se ao bar para providenciar o pedido. Acabou trazendo uma batida de qualquer coisa com uma tal de Vodka da primeira marca que tinha para escolher. Foi agradecido com um empurrão e um cortês tapa nas costas. Saiu sorrindo amarelo, escondendo-se pelos corredores de pessoas e música alta.
Os olhos remexeram-se nas pálperas, caia novamente, espasmos pelo corpo todo, uma sensação horrível. Carlos despencava, outra vez o mesmo pesadelo, outra vez o arrepio pela espinha. Antes que chegasse ao chão tocou o despertador; um novo dia. Carlos levantou-se, lavou o rosto com um jato de água, esfregou bem os olhos, fitou por alguns segundos sua figura no espelho e pôs as lentes de contato.
Apanhou o jornal entregue naquela mesma manhã sentou-se para tomar café. Entre uma colherada e outra no iogurte, virava as páginas, procurava pelos cadernos.
Seus olhos passearam pelas notícias até que finalmente fixaram-se numma manchete. Ele parou por alguns instantes e leu-a cautelosamente em voz alta: “Esta noite morre jovem morre hospitalizado com suspeita de envenenamento em boate”. Carlos abriu um sorriso doce e bobo, daqueles que ainda tem alguma esperança na alma, sentindo-se leve e renovado como numa manhã qualquer.

27 agosto 2011

Notas sobre Filmes e Sexo



A primeira vez nem sempre é tão boa quanto esperávamos.
A gente só melhora com a prática, mas teoria é sempre bom pra encorpar a experiência.
As sensações podem ser as mais distintas possíveis, de êxtase ao asco.
Mas, principalmente, feito com amor é muito mais gostoso.


Estou com esse pensamento há semanas na cabeça, hora de susbtituir por um conto tradicional :)

19 agosto 2011

A cidade e a treva

Logo abaixo do céu e quase anexa ao mar reside Saulo, cidade onde as noites são claras como os dias. Ali as ruas transpassam umas às outras, e os viadutos enroscam-se e achatam-se por todo o lugar que se olha.
Em Saulo há sempre diversos caminhos para o mesmo ponto e circulam por eles uma imensidão avermelhada de faróis que se perde de vista.
Nas praças de Saulo os tabuleiros de damas e xadrez deram lugar ao cheiro de urina, odor esse que percorre toda a cidade pelos canais de água que a cortam por todos as direções. 
Dizem os mais velhos que o por do sol de Saulo é sempre o mais belo de todos, mesmo que escondido sob as torres e o ar turvo que cheira a fumaça.
Saulo é assim, Saulo não para, e quanto o dia amanhece já está toda acordada, circulando apertada sobre o rios enterrados e as galerias escondidas. Galerias sobre as quais aglomeram-se narizes das mais diversas cores e formas, morando uns sobre os outros e tornando Saulo sempre mais e mais aglomerada, fadando-a simplesmente a ruir.






Baseado em As cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.

25 julho 2011

Inominável

Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Depois de uma incrível sucessão deles o celular despertou ao som infernal de sua música favorita, capaz de destroçar qualquer sonho.
- Só mais cinco minutos - Murmurou Xavier. Sabia que não lhe restava mais um segundo sequer, entretanto o sono acolheu-o maternalmente naquela fria manhã.
De repente, o susto.
- Ih, merda! - Passara dos cinco minutos, dos dez inclusive. Saltou da cama já tirando a camisa e procurando os sapatos. Tomou café andando, preparando a pasta na escova e o creme de barbear. Vestindo o paletó trancou a porta, dirigiu mais loucamente que de costume rumo ao trabalho.
Chegou na empresa irritado, odiava ir para lá todo o dia, odiava acordar cedo. Também não suportava o terno e a gravata enforcava-lhe. Pelo menos pagam bem, pensava nos mementos de aperto.
Espremeu um sorriso da alma para distribuir alguns "bom dia" no caminho até seu setor. Caminhou automaticamente até a nona porta à esquerda do quinto corredor, como por três anos faz sistematicamente.
Em sua sala não encontrou alívio ou conforto, mas uma pilha de papéis sobre a mesa. Trabalho, trabalho e trabalho. Desde a faculdade nunca mais lera algo não técnico. Almoçou papeladas regadas a problemas.
Mas nem tudo era ruim como parecia, Xavier adorava, de vez em quando, passear pelos corredores. As portas, equipadas com uma simpática janelinha de vidro lhe permitiam flagrar dedos no nariz ou decotes escolhidos a dedo. Pena os passeios serem tão curtos, já que relatórios por fazer esperavam-no na mesa e as desculpas para essas voltinhas precisavam sempre ser economizadas para momentos de maior necessidade.
Horas a fio de trabalho: As mesmas palavras para diferentes problemas, quinhentas burocracias para um procedimento simples. Papel timbrado, carimbo, assinaturas, passos a serem seguidos e repetidos. Foi para isso que Xavier estudou, é por isso que ele vive bem; seu carro, seu apartamento, suas extravagâncias comuns.
Passos a serem seguidos, leituras automáticas, arquivos, arquivos, arquivos. Sem perceber Xavier frustrou a alma para satisfazer o corpo. Sabia informações como todos, desejava as mesmas mulheres que seus amigos, gostava dos mesmos filmes que os outros.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Era incrível como esse som infernal demorava mais a passar no final da tarde.
- Eu cheguei atrasado, preciso compensar - Diziam as engrenagens de seu cérebro.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Xavier roeu as unhas, Pensou em pular pela janela, mas a sala era climatizada. Hesitou uma vez, mas jogou longe o relógio. Viu-se preso, nunca antes percebera-se enclausurado. Forçou a porta sem necessidade, olhou para os lados procurando alguém que o observasse. O corredor pareceu mais longo e casa passo apressado parecia deixá-lo mais longe da saída.
Xavier correu, correu e correu, chegou ao lado de fora ofegante arrancando o que o enforcava e provocando olhares espantados. Inspirou o ar descondicionado e poluído com uma alegria inexplicável, tirou o terno, jogou-o no chão, deixou  o vento de inverno gelar seu rosto.
- Xavier? Tá tudo bem com você? - A pergunta veio da funcionária do setor 43, com decote escolhido a dedo. Xavier olhou os peitos dela com gosto, mas imediatamente sentiu-se desconcertado. Recolheu o terno, procurou vestir a gravata. Saiu sorrateiro e em silêncio, sentindo-se um idiota.
- Onde eu estava com a cabeça? - Martirizava-se. - O que foi aquilo?
Foi direto para o estacionamento e antes de dar partida no carro, certificou-se sobre sua aparência, ainda inconformado com o que acabara de fazer.
Chegou em casa em silêncio, foi do banho direto para a cama.
- Idiota! - Repetiu incansavelmente - Idiota!

Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Depois de uma incrível sucessão deles o celular disparou ao som infernal de sua música favorita. Desta vez Xavier não hesitou, levantou-se sistematicamente como sempre fizera por todos os dias.

14 julho 2011

O acidente

O trem partiu devagar, trilhando aos solavancos, como todos os dias. Aumentou vagarozamente a velocidade e de repente bateu. Bateu também a cebeça, a mulher quase voou pela janela e foi levada às pressas para o hospital. Que trajédia, que horror!
O SAMU sequer havia resgatado todas as vítimas e o partido da oposição já estava de manifestação marcada, reafirmando as verdades de sempre: "Esses trens velhos e superlotados. Essa passagem é cara. Esses políticos roubam mais do que a gente. Isso não é justo!"
As ainda vítimas continuavam presas no trem, mas o jornal do Blasfema entrou no ar, anunciando os possíveis dois mil feridos. Falou também da mulher voadora, cuja cabeça, o encéfalo, o crânio e ainda a região cefálica foram todos atingidos, multilados,  massacrados, num ato de carnificina e irresponsabillidade social.
Já a Compania Promíscula de Trens Metropolitanos emitiu uma nota dizendo que está apurando as causas do acidente. Afirmou ainda que houve apenas alguns feridos levemente. 
O partido governista, por sua vez, preferiu não dar declarações até que sejam apuradas as reais causas do acidente, mas num pronunciamento ao vivo no horário nobre da TV o governador colocou a público que amanhnã mesmo será inaugurada a nova estação faraônica de metrô ao lado do rio Lixeiros, convidando a toda a população de alta renda para a cerimônia de abertura. 
Eu, contudo, não tenho nada a dizer, pois ainda estou aqui, na estação Barra Imunda, me apertando há dez minutos para subir a escada, depois de sair de um trem ordinário, no qual ninguém voou ou bateu a caebça.

04 julho 2011


Fotografias
 

- Pai, paiê, vem aqui. - o menino gritava fazendo-se ecoar pela casa toda.
- Já vai, já vai... - Andava calmamente.
- Vem logo pai..
- Que foi? Para que tanto desespero?
- Quem são esses daqui da foto? - O menino tinha um álbum enorme nas mãos, cheio de antigas fotografias.
- Esses.. ah, são... eram os amigos do papai quando ele era mais novo. - Disse num tom melancólico e saudosista.
- Nossa! - espantou-se o menino - E você conhecia tudo isso de gente?
- Sempre têm alguns que a gente conhece melhor que outros. - Respondeu com um sorriso amarelo, malicioso e um pouco apático.
- E essa daqui? - Perguntou muito curioso.
- Ah, você não ta reconhecendo não? Olha bem...
- A mamãe? - Chutou.
- Ela mesma.
- Que roupa esquisita. - Torceu o nariz.

Os dois ficaram ainda algum tempo revendo as fotos antigas, até que o menino se cansou de tantas pessoas que ele não conhecia e saiu, deixando tudo largado.
- Ual... isso faz muitos anos - murmurou para si o pai. - Tantos anos. - Recolheu devagar as fotos, reorganizou-ascalmamente  enquanto desenterrava todas aquelas lembranças.
- Eram meus amigos... - Murmurou de repente. Eram, dissera sem perceber e aquela frase dita a toda lhe incomodou. Pensou em que rumo os outros poderiam ter tomado, se ainda gostavam das mesmas coisas ou se lembravam dos velhos tempos.
Procurou rever com mais calma as fotos, ficou algum tempo parado, pensando se deveria ou não tentar falar outra vez com aquelas pessoas.
Nas semanas seguintes tentou alguns contatos. Muitos tinham mudado de casa, ou mudado de vida. A gente precisa se ver... diziam, mas a gente nunca vai se ver, pensavam.
Não havia mais lugar naquelas vidas para as antigas amizades, talvez porque não eram mais amigos, não eram mais um grupo e todo o resto ficara apenas congelado nas imagens fotográficas.
Passou dias pensando nesse distanciamento, e quando revia as fotos e reencontrava seu passado detinha ainda certa esperança.
Tentou por mais algumas últimas vezes retomar os contatos. Não fora inútil, pois os poucos com quem consegiui falar lhe proporcinaram uma conversa gostosa e saudosista.
Mas com o passar das semanas acabou  também desistindo daquelas fotografias e guardou-as de vez Quem sabe mais para frente se aventurasse a vê-las novamente. Naquele momento decidiu simplesmente pôr fim àquela melancolia. 
Certamente assim deveriam ter feito seus amigos.  Esqueceram-se das fotos, das lembranças e também da promessa de nunca se separarem.

14 junho 2011

Exílio


- Eu já estou pronto.
- Você sabe que não é assim
- As coisas já chegaram ao ponto crítico.
- E?
- Me deixe em paz.

Nos telhados de barro ouviam-se os acordes da chuva. As folhas desprendiam-se formando um tapete no chão. Em desespero as pessoas corriam, loucas para chegar em casa. Chovia, chovia e chovia.
Eu nem sei há quantos anos moro nesta casa, mal me lembro onde foi que nasci. Sei apenas que antes eu falava outras palavras, outros sons, mas nunca mais me permitiram dizê-los a ninguém. 

Quando eu mudei para cá eu joguei fora os cachecois, deixei também empacotados os grandes casacos, passei a andar mais descalça. 
Daquele tempo eu só  me lembro que não há lembranças, não há imagens que eu queira deixar guardadas.
Às vezes me perguntam uma palavra ou outra na minha língua. É estranho, eu nunca a esqueci, mas temo-a a cada verbo. E pensar que um dia eu tive uma língua minha...Aqui não me proíbem exatamente de falá-la. Contudo aqui eu sou esquisita, sou afastada, sou indigna. 
A minha pátria não existe mais. Meus pais não tem história, minha vida não tem registros.
Voltei uma vez apenas. Disseram-me que era seguro, que não havia mais soldados nas ruas. Não me contaram porém que as casas também tinham fugido.
Voltei para nunca mais voltar. Apaguei, como tanto já fizera, aquelas imagens tristes.
Hoje chove, e lá os telhados eram de madeira, não de barro. Eu não vou mais voltar e custo para que as palavras exiladas me fujam da cabeça quando alguém as pergunta a mim. 
Na verdade eu gosto daqui. Os acordes da chuva é apenas diferente, a música é outra, não há neve. Eu nunca mais vi a neve... Na verdade eu não sinto falta dela, nem de mais nada, porque eu não me lembro, porque nunca existiu.

18 maio 2011

Crônicas do trem

Brás, 18h. O trem abre as portas. Em meio ao empurra empurra dois jovens correm e sentam-se, visilmente aliviados depois de um dia tenso, como qualquer outro.
- Sabe ali? Onde ele mora, no barraquinho? Ele quer uns doil mil. Dali dá ainda pra construir. Tô pensando na ideia.
- Se eu tivesse dinheiro, passaria a máquina na minha toda e contruiria ela de novo. Daí tirava logo aquele vão da cozinha.
- Passa não mano, aluga ali. Dá pra tirar uns 400 conto. Em cima ali da minha tem o segundo andar. a segunda laje ta alugada toda. A terceira ainda ta por fazê. Num aluguei ainda não, tá pra bater essa semana.
- Carai, ta patrão você!
- Eu até ia falar procê, mas tá alugado tudo já.
- Gente pobre, quando pega algum bagulho acha que tem o rei.
- Que nem o Rogério. Aí mano vai dá uma de orgulhoso, finge que não vê a gente.
- Eu que que sei. Se tiver isso aí a gente toma tiro na cara. Pode não.
- Relaxa cara, você vai ficar comigo só comandando.
- Aí sim!
- Foda, mas não pode ser que nem os cara. Chega na disumildade, só porque almoça lá cos cara. Mas quando tem pra resolver, cola na fevala pra nois dá um jeito.
- Depois se fode, a culpa é minha e sua que não ajudou.
Houve alguns segundos de silênciio.
- E as folhas?
- Era três de quatrocentos. Bastante, dava pra comprar um golzinho quadrado. 2.400, vou dar seis cheques na mão dele semana que vem.
- Pega co agiota qualquer coisa. As veiz é mais fácil.
- Só que pra pegar com ele tem que ser direito.  Os Paraíba é tudo rico, mas tem que abrir o olho.
- Cara lá bobeu, pau. Cara tem uma Aavazaqui aqui, outra ali...
- O Régis é assim cos polícia. Ele e o Nelson, que á a cabeça dos Paraíba.
- Ele fica ali, só filmando. Que ver se os cara anda direito.
- O Régis cuida lá do CDHU. Cara é rico. Os cara só não mata ele por medo da retaguarda.
- E o tanto de inocente que ele já matou?
- Eu não julgo ninguém.
Ficaram num silêncio mais longe, olhando para baixo e pensando em segundos por aquele assunto proíbido.
- E no sábado, se não vai mais?
- Não vou mais não, nem no feriado. 4h tou pegando, me trocando e saindo. Toda semana os cara querem hora e a mais. Tou fora.
- Carai mano, meu dinheiro só dá até amanhã!
- E essa carteira que tá pedindo otra hein? Deixa eu vê isso ae.
- Agora já era. Esse rapá aqui tinha até um baseado escondido, olha! Vixe velho, tinha 20 aqui de manhã gastei 12, sobro só as moeda.
- Daqui seu burro, vem cá, deixa eu contar.
- Oh ali mano - disse olhando pela janela do trem - É ali onde a gente leva as minas. Tem estacionamento, dá pra deixar os carros e as motos.
- Aí sim, é nóis!
As portas do trem se abriram e eles saíram, tão escondidos pela multidão quanto quando entraram.

03 maio 2011

Entre Amigos

De repente Luís soltou a piada:
- Sabe o que é superstição? - Todos entreolharam-se procurando alguém que
soubesse.
- Lá vem... - murmurou o filho mais velho.
- É um preto bem alto e forte, super tição... - E riu sabendo que a piada não
tinha graça alguma. Era apenas uma coisa tola, para descontrair.
- Eu acho esse tipo de piada um absurdo. Mas que preconceito! - Chiou Ana, a gorducha
vizinha que servia salgadinhos fritos na mea.
- Preconceito nada, eu conheço vários crioulos... tudo gente boa, não existe
essa coisa não. Não aqui no Brasil, quem sabe lá fora. Aqui a gente fala mas é tudo só brincadeira.
- Queria ver se fosse sua filha casando com um preto, quero ver o que você ia falar.
- Mas eu nem tenho filha para casar, né moleque? - E deu um tapão nas costas
do filho, quase fezendo-o cuspir o salgadinho que tinha na boca. Depois desatou a
gargalhar. - Além disso, prefiro uma preta bonita do que uma branca feia.
- E se ela engravidar outra vez? - Insistiu Ana apontando Cláudia,
esposa de Luiz. - Nunca se sabe, vai que vem uma menita. 
- Sai fora, outro irmão? Chega né? Já basta esse daí! - E nisso o filho mais
velho levantou-se rápido da cadeira cansado daquela assunto. Foi  para a rua ver os amigos. Enquanto saia não
se esqueceu de dar um tapinha na cabeça do mais novo.

Sem adolescentes por perto, os amigos continuaram a jogar o baralho, cheios de concentração e risadas.

- E aí? Vai jogar ou vai entregar o jogo pro titio aqui? -  Mário olhou Luís de
soslaio...
- Deixa eu ver... ás, dois, três, quatro, cinco, seis sete! Canastra, e com esse
oito que você deixou passar... mil pontos... maravilha! Acho que a casa caiu pra você
Luisão.
- Espera pra ver o que o tio aqui tem na mão. - Blefava confiante.
- E  seu filho mais velho? Já vai pra faculdade?
- Claro, mas é só ano que vem. Por falar nisso, sabe quando preto tem chance
de ir pra faculdade? - Ana bufou, já emendou nervosa.
- Porra Luís, essa é mais velha e pior que a primeira... - Levantou-se, jogou as cartas na mesa e saiu. Com aquilo o clima pesou e ninguém
disse nada.
- Que saco, Ana, eu só estava tentando descontrair... - tentou consertar Luís.
- Você não conhece algum outro tipo de piada não, é? Na boa, se for pra
continuar assim eu vou é para casa.
- Mas era só pra a gente rir um pouco.
- Luís, chega! - Advertiu a esposa.
- Poxa amor, foi só uma brincadeirinha, ela que fica aí se descabelando por
pouco.
- Chega Luis!
- Vocês mulheres se estressam por cada coisa. Isso porque nem estão de TPM - Luiz e Mário riram juntos.
- Ta vendo Cláudinha, ele já mudou o foco. Mulher, preto, qualquer coisa ele discrimina.
- Ai Ana, deixa, não isiste nisso. Você também vai na dele toda hora.
- Não é a toa que casaram. - Resmungou Ana triunfante - Vocês dois são iguaizinhos. Feitos um para o outro. - E Ana riu irônica.
- Se é pra me ofender, a senhora pode sair. - Alterou-se Cláidia.
- Calma amor, não vai brigar por besteira... - Cutucou Luís.
- Porque a gente não volta a jogar? - Sugeriu Mário que ainda estava sentado, com uma canastra de mil pontos
e as cartas na mão.
- Joguem vocês que eu perdi a vontade. - Ana saiu pelo portão enfurecida. Cláudia entrou nervosa na sala para ver TV.
Luís e mário entreolharem-se confusos.
- Quem entende essas mulheres? - Suspirou Luís. Mário pensou por dois seguntos e emendou:
- Acho que o homem que as estendeu morreu de rir e não contou para
ninguém... - Os dois gargalharam sozinhos, recolhendo as cartas para jogar outra
coisa.

27 abril 2011

Voyeur

Quentinho, acaba de sair do forno e por isso talvez tenha erros :)


Passei o dia sentado à piscina, como qualquer pessoas sonha em passar todos os dias de sua vida. Dizem que sou assim, pretencioso, e que o dinheiro que tenho esbanjo com futilidades, porque a vida assim me permite. Apenas trabalho o suficiente para olhar a mim mesmo sob o sol, ouvindo o ruído da ågua até que isso me canse.
Deitado, de olhos fechados, mudo de posição, percebo que detrás do vidro alguém me olha discretamente. A princípio sorrio, o ego massageado, mas aos poucos fico apreensivo, incomodado com aqueles olhos vitrais.
Levanto-me, então.Contudo, ao me aproximar do vidro percebo que não há mais ninguém além de mim, e que tavez aqueles olhos fossem fruto de algum reflexo.
Volto a tormar sol, levemente angustiado, e por toto o instante procuro inquieto pelos olhos obervadores. Qualquer barulho me assusta, e até mesmo a água da piscina já me parece turva.
Aproximo-me novamente da porta de vidro, abro, vasculho o pequeno salão de jogos. Ali dentro não há nada além da minha desconfiança. Respiro aliviado, mas ao voltar meu olhar para a a piscina, vejo uma mulher sentada , justamente na cadeira qu eu ocupava, tomando sol. Ela usa óculos escuros, é visivelmente bonita.
Aproximo-me timidamente, cumprimento-a, mas ela não responde. Eu nunca a vira antes no condomínio, o que me deixa intrigado.  Ela permanece imóvel e vejo apenas que por trás das lentes não tão escuras, ela observa algo. Sento-me ao seu lado, presto atenção em seus movimentos, vejo-a, algumas vezes, passar as mãos pelos braços como se sentisse frio. Ela ainda ajusta os óculos no rosto quando esses lhe paressem desconfortáveis.
Tento, num outro momento, lhe falar qualquer coisa. Ela sorri, mas não responde. Decido, portanto, calar-me de uma vez, deixar-me ao silêncio, ouvindo apenas o vai e vem da água na piscina.
Aos poucos o sol vai-se embora. Está escuro e ambos demonstramos frio, encolhidos e sempre calados. Mas continuamos lá, olhando para frente, e só para frente, como dois desconhecidos observadores que somos. 

20 abril 2011

O enterro de ontem.

Ontem eu fui ao enterro de um amigo, mas não aqueles amigos de verdade, que sabem cada detalhe da sua vida. Era apenas um colega, que passou por minha vida há muito e que por anos eu tinha perdido o contato. Na verdade apenas me deixara umas boas tristes lembranças.
A esposa dele chorava, sem escândalos, quieta e triste. Os olhos já murchos de lágrimas, a cara puxada da noite mal dormida. Ela não me conhece, certamente. Eu mesma apenas havia a visto antes na foto do casamento civil. Um olhar discreto e potente. Lembro-me também que cheguei a encontrar o casal uma vez na praia, mas isso já faz muito tempo, uns vinte anos pelo menos.
Fiquei parada, ainda olhando de longe o caixão. Já não conhecia, nem de vista, quase ninguém. Metade dos amigos já se foram, a outra parte desapareceu.
- A senhora não vai assinar o livro? A família ficaria agradecida. - Sorri agradecendo a cordialidade, mas certamente não alegraria a viúva minha assinatura se depois ela perseguisse os passos do meu nome.
Cheguei a me sentar um instante sozinha, estive amistosa, quase invisível. Perdi-me nos pensamentos, não vi nada nem ninguém ao meu redor passar.
- Você não vai acompanhar? - Era ela, a viúva dos olhos inchados. A voz baixa. - Ele ficaria feliz em saber que veio. - Ainda sorriu devagar, como se minha presença fosse de fato importante. Eu me levantei quieta, inerte diante daquela inexplicável cordialidade.
- Foi você quem encontramos aquela vez na praia, não foi? - Disse como se minha resposta pudesse de alguma maneira confortá-la. Respondi que sim, mas estava tão sem graça, nem sabia quais palavras escolher.
- Ele sempre gostou muito de você. - Ela completou ainda com delicadeza enquanto erguia um pouco os olhos rígidos.
- Ele sempre falou muito em você! - Eu acrescentei quase que imediatamente da forma mais sutil possível, tentando não prolongar aquela conversa. Caminhamos conversando devagar até o caixão. Ela ficou séria à direita. Eu quieta à esquerda.
O cortejo começou a  subir devagar a rua. Pela colina as palavras engasgaram e as lágrimas eu já havia chorado anos atrás. Ela andou serena, quieta, murcha, segurou o choro mas não conteve a lágrima que fugiu devagar. Quando eu me vi também enxugava o canto de meu rosto com a mão.
Quando ele desceu até a terra nenhuma de nós desatou a chorar. Antes que eu fosse embora ela ainda me deu um envelope grande. Sorriu peculiarmente e me ofereceu carona, mas eu já estava de carro. Na saída cheguei a vê-la sozinha recostada numa árvore, mas como passei rápido não pude ter certeza de nada.
E assim aconteceu, ontem eu fui ao enterro de um amigo meu, não um qualquer, que a gente conhece por aí eu não da importância. Descobri que há mais mistérios entre nós. do que pode imaginar nossa vã consciência.

06 abril 2011

Temores


 
A noite fez-se imóvel, assim como a figura estática que mal ouviu os ruídos do lado de fora. Adam levantou apenas uma das sobrancelhas e continuou parado, pensando no que poderia estar passando por sua mente. De repente, sem ruídos, uma voz tiniu pela leve claridade da lâmpada no centro da sala. Foi uma questão de baixar os olhos um instante e tentar procurá-la para que fosse embora. Eu devo estar enlouquecendo, pensou Adam. Só pode ser isso.
Já estava aflito e, sem perceber, pegara o livro que estava próximo a antiga mesa onde ficava o telefone de disco. Abriu na metade, começou a ler parágrafos aleatórios, e seus ouvidos começaram a prestar a atenção nos pequenos ruídos provocados pelo silêncio. Ah! Se fosse cinema, certamente haveria um assassino junto à porta, imaginou apreensivo. Sabia que nada havia, mas começou a controlar a respiração, que ficava mais ofegante cada vez ele tentava torná-la mais amena.
A luz era fraca, uma lâmpada apenas para uma sala toda. Suficiente para a leitura ou para achar algum objeto, mas coadjuvante num momento como aquele. Ele Fechou o livro rápido, como se pressentisse algo. Levantou-se sem produzir barulhos, pegou com cuidado um casaco leve. Procurou pela chave, decidiu sair à rua para dar uma volta, espairecer.
Mas, a chave... onde estaria aquela maldita chave? Procurou em vários lugares. Não achava, merda de luz, pensava, luz, merda, merda...  Cadê a chave? Onde eu pus a chave?
Adam sentiu um medo lhe consumir em seus próprios temores. Abriu rapidamente as pequenas gavetas do móvel da sala. Que inferno, cadê a chave? Tremia, tremia, procurava a maldita por toda a sala. Só poderia ser uma conspiração, estariam tentando algo contra ele.
Anoiteceu e a ausência de barulhos deixou-se com a luminosidade. Ventava para que as janelas batessem, lá fora já ameaçava a suposta chuva. Adam não podia sair, estava preso em sua própria casa.
Ainda mexeu outra vez nos bolsos, mas já desistira de achar a saída. Mas antes mesmo que surtasse achou a maldita chave, escondida num lugar comum, bem à mostra. Sorriu aliviado e levou-a até a porta, que não abria... Não abria, não abria!!!!!! A Porta, a chave, a fechadura... como poderia?
Ele entrou em Pânico, ouvia passos, tinha certeza, ouvia. Havia alguém atrás dele, alguém tinha trocado a fechadura da casa. E os parágrafos soltos que lia pela manhã? Onde estariam? Ele  os deixara em algum lugar, mas onde?
Deixou a chave na porta, que não abriu e passou a procurar pelo livro e de repente viu-se perdido dentro de sua casa. Ouvia passos, ouvia, mas não havia ninguém. Respirava ofegante e aos poucos percebeu que poderia estar louco, só poderia estar louco!
Adam acordou, deitado no chão da sala. O livro ao seu lado, o dia claro. Levantou-se rapidamente. A chave não estava na porta. Nem no chão, nem e lugar algum. Esfregou os olhos aflito, e riu sozinho de toda aquela brincadeira.
Por segurança foi verificar as janelas. Trancadas e com grades. Mas... ele nunca tivera grades em casa. Passeou os olhos pela sala, havia um aparelho qualquer sobre a antiga mesa de telefone.
Adam abriu as cortinas e acendeu a luz para enxergar melhor. Horrorizou-se. As paredes pintadas, o teto cheio de pequenas lâmpadas, e no quintal, visto pela nova janela de vidro... onde estariam suas roseiras? Em desespero sentou-se no chão novamente, gritando por sua liberdade. Seus livros não estavam mais guardados no móvel, que sequer existia. Aquela casa, de quem era aquela casa na qual não havia pessoas, mas que tinha engolido seus objetos?
Ouviu passos novamente, mas sequer se preocupou. Deitou-se no sofá, que não era o seu. Sentia, sem se importar, alguns calafrios pelo seu corpo. Ouviu conversas perdidas, mas nada que ele quisesse prestar a atenção.
Adam apenas deitou-se, perdido no tempo e melancólico por não saber onde estava ou se pertencia aquele lugar. Dormiu sob as luzes, e esperava um dia acordar novamente em seu lugar, em seu rítimo, em sua época.

30 março 2011

Desencontros

Nos encontramos por acaso, naquele café que ambos frequentavamos há anos. Mas fora realmente conicidência, eu mesmo não aparecia por lá há um tempo tão árduo quanto minhas viagens. 
Um expersso cruto, pedi enquanto abria o livro e ajustava os óculos sob meu nariz achatado. Ao meu lado, um suco de manga pediu a moça, quase desacreditada ao perceber que por trás daquela armação redonda havia um conhecido de tanto tempo. 
- Ual! - disse - Só aqui mesmo pra eu te encontrar seu fujão! - Eu sorri desconcertado, mas imediatamente nos alojamos numa mesa e perdi as contas de quantos cafés mais tomei. 
- O que houve com você, sumiu. - Disse ela com aquele brilho habitual no olhar. 
- Viajei mais do que gostaria - Foi a resposta mais imediata que pude dar. 
Os grandes olhos dela sugaram minhas patéticas histórias de viagem, enquanto a conversa seguiu por todos os locais por onde passei.
- E qual deles você gosta mais, afinal? - Perguntou ela sem esperar a resposta certa. 
 - A verdade é que gosto e desgosto igualmente de cada um desses lugares. 
Ela não me olhou surpresa. Conhecia-me a tempo suficiente para não pedir explicações. Fez uma rara pausa em seu falar constante. Seus olhos contornaram o café e quando me encontraram novamente ela começou a falar de si. 
A verdade é aquele acaso e a indiferênça que ela pela primeira vez demonstrara por mim pareciam perdidos em nosso assunto. Afirmou, de repente, que estava tudo bem, e apesar dos problemas, era feliz. `As 16 horas, precisamente, ela pôs um ponto final em nosso assunto,  levantou-se, pagou sua parte da conta e saiu; não antes de pedir meu novo número de telefone. 
- Vê se não some de novo! - Seu beijo fez um pequeno e nostálgico estalinho na minha bochecha - Tchau.
Ela sabia que eu não ligaria, que não faria esforço para vê-la, que não voltaria ao café tão cedo para provocar outro acaso. Talvez seja por isso que eu não a tenha visto por lá durante os dois meses seguintes em que meu expresso curto se repetiu sozinho naquele balcão durante as tardes semanais. 
Eu sabia, ela não ligaria. Esperava ainda que eu fosse a seu encontro, por isso precisamente `as 17 horas e 13 minutos ela me telefonou. Sequer eu pude dizer alô. 
- Nina morreu! Achei que você gostaria de saber. - Ela não desligou nem disse mais nada. Apenas confirmou o local do veleório. 
Há tempos que não a via, Nina, e não pude imaginar que nosso próximo encontro seria tão gélido. 
Encontrei-a no velório. Ela estava lá, rodeada de desconhecidos meus. Veio a meu encontro, não disse nada. Não chorava. Eu apenas tomei-a nos braços. 
- A gente sempre soube que ia ser assim. - disse ele inconformada.
- A doença... há quanto tempo. Não foi melhor assim?
- A gente sempre soube que ia ser assim... - Fingi não compreende-la. Apenas mantive-a em meus braços, mexendo com suas mexas de cabelo. Ela procurou afastar-se um pouco de mim.
- Olha pra mim - disse nervosa - você sabia, não sabia?
- Todos nós sempre soubemos. - Os olhos dela desviaram dos meus e daquela vez ela exigiu respostas.
- Você sempre fingiu, um dia seria assim. - Aquela talvez fosse a maior de suas mentiras. Nunca houve ela, ou Nina, ou a mim.  
Ela sentou-se no chão, cuzou as pernas e chorou como um bebê. Dasta vez ela não aceitria minhas justificativas. 
Eu observei-a, enxuguei sua lágrima com as costas da minha mão. Aproximei-me, beijei sua testa e me afastei.
- Você não se importa, não é? - Ela ainda insistiu.
- Ah Nina minha, não precisa mais mentir. Você também sempre soube que seria assim. 

24 março 2011


Eu gostaria de ter um conto enorme pra essa charge, mas não consegui. Como achei-a genial. Resolvi publicar!

" - Nós só podemos lhe oferecer um trabalho de meio período.
- Quantas horas?
- Quarenta!"