Ontem eu fui ao enterro de um amigo, mas não aqueles amigos de verdade, que sabem cada detalhe da sua vida. Era apenas um colega, que passou por minha vida há muito e que por anos eu tinha perdido o contato. Na verdade apenas me deixara umas boas tristes lembranças.
A esposa dele chorava, sem escândalos, quieta e triste. Os olhos já murchos de lágrimas, a cara puxada da noite mal dormida. Ela não me conhece, certamente. Eu mesma apenas havia a visto antes na foto do casamento civil. Um olhar discreto e potente. Lembro-me também que cheguei a encontrar o casal uma vez na praia, mas isso já faz muito tempo, uns vinte anos pelo menos.
Fiquei parada, ainda olhando de longe o caixão. Já não conhecia, nem de vista, quase ninguém. Metade dos amigos já se foram, a outra parte desapareceu.
- A senhora não vai assinar o livro? A família ficaria agradecida. - Sorri agradecendo a cordialidade, mas certamente não alegraria a viúva minha assinatura se depois ela perseguisse os passos do meu nome.
Cheguei a me sentar um instante sozinha, estive amistosa, quase invisível. Perdi-me nos pensamentos, não vi nada nem ninguém ao meu redor passar.
- Você não vai acompanhar? - Era ela, a viúva dos olhos inchados. A voz baixa. - Ele ficaria feliz em saber que veio. - Ainda sorriu devagar, como se minha presença fosse de fato importante. Eu me levantei quieta, inerte diante daquela inexplicável cordialidade.
- Foi você quem encontramos aquela vez na praia, não foi? - Disse como se minha resposta pudesse de alguma maneira confortá-la. Respondi que sim, mas estava tão sem graça, nem sabia quais palavras escolher.
- Ele sempre gostou muito de você. - Ela completou ainda com delicadeza enquanto erguia um pouco os olhos rígidos.
- Ele sempre falou muito em você! - Eu acrescentei quase que imediatamente da forma mais sutil possível, tentando não prolongar aquela conversa. Caminhamos conversando devagar até o caixão. Ela ficou séria à direita. Eu quieta à esquerda.
O cortejo começou a subir devagar a rua. Pela colina as palavras engasgaram e as lágrimas eu já havia chorado anos atrás. Ela andou serena, quieta, murcha, segurou o choro mas não conteve a lágrima que fugiu devagar. Quando eu me vi também enxugava o canto de meu rosto com a mão.
Quando ele desceu até a terra nenhuma de nós desatou a chorar. Antes que eu fosse embora ela ainda me deu um envelope grande. Sorriu peculiarmente e me ofereceu carona, mas eu já estava de carro. Na saída cheguei a vê-la sozinha recostada numa árvore, mas como passei rápido não pude ter certeza de nada.
E assim aconteceu, ontem eu fui ao enterro de um amigo meu, não um qualquer, que a gente conhece por aí eu não da importância. Descobri que há mais mistérios entre nós. do que pode imaginar nossa vã consciência.