17 janeiro 2011

Lírios Brancos

                                         
      Não havia sequer mistério capaz de ter olhos tão amenos e rústicos. A face bem tratada deslizava pelos cabelos loiros e tolos. O rosto roxo de frio, os lábios esboçados de sofrimentos, tensos e apáticos, assim como o corpo dotado de embriaguez e terno aberto.
      Trazia flores, lírios brancos derramados pela mão. Mal segurava-os com firmeza, sequer soltava-os com desprezo. Lírios brancos, novos e machucados pelos passos leigos e distorcidos daquele homem que, de repente, sem idéia do que fazia... apenas andava levemente pela madrugada gelada e sem sentido. 
      Flores brancas descansavam pelo chão. Os pés apressados pisoteavam-nas sem percebê-las. De repente elas se perdiam pela manhã de trabalho, pelo domingo de descanso, pela rua. Estavam sozinhas e pálidas, frias e murchas, para depois tornarem-se apáticas e largadas. 
      O rosto não esboçava brigas, os olhos não traziam marcas de choro, nem o peito sintomas de ardor. Mas estava amargo e sem graça. As mãos tênues se constrangiam enquanto caminhava. Olhos espantados fitavam-no com cuidado; analisavam seu terno, passavam longe de sua figura assustadoramente terna.
      Sentou-se na calçada, sem pudor, sem lembranças, sem pensamentos. Apenas largou-se para pensar naquelas imagens insanas que nunca teriam passado por sua mente. De repente a caça e a memória. De repente a frieza e o silêncio tornaram-no insólito na noite serena.
      Lírios brancos, soltos ao seu lado num tênue sentimento. Tentou ainda cheirar outra vez as flores murchas, mas estavam mortas e sem perfume. O terno deitou-se devagar, a cabeça ficou por um instante tentando pensar em algo. Lírios brancos, pensou, e adormeceu no frio, sem dor, sem culpa, sem sentido...