O tempo nos descasca, descama, desima, desarma, desmonta, desmancha.
Mas que tempo não cura, diga você?
Afinal, que te fez levantar da cama com essa cara de ontem e não lavar bem os olhos?
Que mal te fez guardar essa ramela ao redor das suas olheiras e infiar-se nesse uniforme pra ir estudar?
Com o tempo a gente se ajusta. Passa delineador, descobre o batom vermelho, descobre também que tem que trabalhar.
Descobre porque nasce já no mundo do trabalho, percebe que é só o trabalho quem te trás independência.
Mas em tempo eu digo. Independência é felicidade? Não importa. Afinal, independência é escolha, é livre arbítrio, é a saborosa dor de escolher.
Se viemos da costela de adão, da macaca, da bactéria, do sopro, da argila, não me importa. Se viemos das chamas, do pó, das nuvens, não sei.
Importa que o tempo, esse sim nos permitiu não aceitarmos os maridos, os pais, os chefes. O tempo nos permitiu passar batom sem sermos chamada de puta, delinearmos os olhos quando temos vontade, usarmos salto alto enquanto permitirem os joelhos. E o tempo também nos permitiu a recusa.
Mas não nos enganemos, afinal qual recusa é fácil? Qual mudança é simples? Qual mundo é perfeito?
Hoje, bem ou mal há escolhas, basta fortalecê-las e não deixar o tempo as engula novamente.
E eu, eu hoje removi as ramelas, passei delineador e no tom inexistente do meu batom pus uma calça comprida e fui trabalhar.