10 janeiro 2012

As Cartas de Hattersheim 

Andres colocava-as no correio da pequena vila ao lado do rio Meno. Fazia anos que morava na casa interiorana de estilo enxaimel , mas não se lembrava ao certo o ano em que havia chegado. Lembrava-se, contudo, da capela em construção e das casas dos estrangeiros que se levantavam uma após a outra ao lado da vila industrial.
Suas cartas seguiam para longe, para os parentes próximos que ele nunca mais vira. Buscava por notícias de crianças que ele conhecera somente por uma ou duas fotografias e de parentes que ele dera um abraço de adeus. Aquele contato distante lhe lembrava as noites de polka intermináveis, as mulheres com quem dançara, a carne de porco ao pé da lareira.
Andres fora mais um levado para longe de casa e pensara também em atravessar o Atlântico uma ou duas vezes pera se exilar junto aos outros. Nunca teve coragem. Fez sua vida de exílio com os estrangeiros de Hattersheim e montou sua casa na rua Siegfriedring. Contudo não se permitiu a distância e escreveu cartas para aqueles que escolheram a vida bem mais longe de casa.
Nelas falava sobre a vida, os prazeres, mas nunca sobre a pátria. A Iugoslávia era assunto proibido, assim como pais e filhos que se separaram ou corpos que nunca foram encontrados sob os escombros. Falavam apenas sobre os amigos, os casamentos, os que nasceram.
Andres escreveu por todos os anos e datas, escreveu até quando a mão pôde segurar a caneta, escreveu enquanto as feridas do silêncio pudessem ser omitidas. Um dia Andres sentiu que não poderia mais não falar da fuga, do medo e da angústia e decidiu não escrever mais. Mergulhou só nas correntezas Rio Meno, colocando um ponto final em seu próprio destino.