05 julho 2014

O Jardim das Onze Horas

Aquele jardim era o jardim da minha infância. Ficava bem de frente à casa pequena de terreno grande, e se estendia por uma área que todo o corretor de imóveis dizia ser perfeita para uma piscina. 

Ali ela plantava onze horas, uma flor miúda que abre somente perto do almoço, no sol quente, e depois se fecha. Faz os mesmo à noite, pontualmente às onze. 
Era, sem dúvida, o jardim mais bonito de uma rua cheia deles, no tempo em que as roseiras com facilidade cresciam mais que os muros baixos.

Mas aos poucos, conforme os dias correram, as onze horas se despetalaram, assim como todo o jardim. As mãos outrora jovens que delas cuidavam, estão cada vez mais cansadas, mais esquecidas, e dormem para passar o tempo que demora a passar. 
Mãos essas cuja dona esqueceu seu nome, quem foi um dia, quem um dia ela desejou ser. 

Das onze horas não restam nem rastros, nem mudas e no jardim que no futuro será piscina, se propaga um mato seco e cada vez mais alto, quase pronto para invadir a casa, igualmente deslocada na rua cheia de prédios.

Triste ver que a dona se desmancha na medida que o mato cresce, triste saber que nunca mais haverá onze horas, rosas, hortênsias, nem nada. Se desmancha o jardim como se desfaz sua memória. Porque na verdade assim é, todos as lembranças se desmancham, sempre é. Porque a memória desmonta, e nos faz ir embora, antes até mesmo de termos ido. 

29 junho 2014

Eu nos vejo, mas não consigo compreender, como essa lembranças se marcam, se ficam e se apagam.


Se é noite, perco o sono. Perco também a inspiração, a vontade e o carisma, mas nunca esse medo que me persegue. Também não deixo de sonhar que você me atira pelas costas e que eu, mesmo ferida, me levanto e te dou um merecido soco na cara, quebrando um dos ossos das mãos.
Mas não acordo assustada nem aos solavancos, acordo tão calma quanto fria, quase num sorriso de angústia.


E pensar que houve um dia que quase cuspi na nossa cara, mas o catarro não veio, a vontade não permitiu, a garganta não coçou o suficiente. Afinal, a quem ofenderia mais esse gesto?


Talvez a raiva que se cultiva, se eu a jogasse, tudo fora... jogaria também o medo, a preguiça, a procastinação? Jogaria também a máscara que me nasceram na cara e que persisto em usar?
Se eu ligasse menos, se eu bebesse mais, se eu pensasse..


Afinal, que escondem esses olhos tão belos, qual é o gesto, a forma, a melancolia, se não aquela que te pertence, que te tira o sono, que te faz dormir.