Aos filhos meus, que mesmo sem lembrar nunca esqueço,
Se te ofendo, filho meu, me desculpe, é que ando fora de mim. Minha cabeça, você sabe, já não anda bem e meus passos traiçoeiros caminham sobre pés fatigados. Você vem e me cuida desse jeito controlador, daí te ofendo e te boto pra fora. Mas a verdade é que quando você se enche e vai embora eu desarmo, desabo intensamente.
Não pense que não sei o que se passa, eu sei, e por isso me angustia. Mas é me escapa tudo e birro e teimo e insisto. O mal é que sei que não sei mais, e me vejo desaprender a tomar um gole d'agua, a escovar os dentes, a cuidar de mim. Eu quero - queria - estar livre novamente, mas não consigo, não posso mais.
Que sou eu, afinal, senão o rastro daquilo que está no retrato pendurado na parede? Quem sou esse eu que mal sabe onde está?
As vezes na solidão choro, mas não quero que ninguém me veja, porque ainda quero parecer intensa. E se me maquio e me arrumo é porque não quero estar moribunda, embora esteja.
Me desculpa, meu filho, por de repente te dizer o que não merece. Me perdoa, minha filha, por te ofender pelo nada, por te prender a mim.
Porque esse rastro que me resta não é aquela eu, mas por hora é só o que fica, até o momento que ele mesmo se perder e eu me for embora por inteira, antes mesmo de ir.
Por isso, sem lembrar bem porquê te agradeço e te peço perdão, ainda sabendo que serei bruta outra vez.