31 dezembro 2012

Reflexões de Final de Ano

Devo dizer que este ano amei com intensidade muito aquilo que se perdeu. 
Devo dizer, também, que conquistei pequenas coisas que me tornaram melhor, mas perdi coisas mínimas que me esvaziaram. 
Pela primeira vez olhei nos olhos de uma pessoa mau caráter e senti medo de me tornar igual.
Este ano chorei, chorei porque alguém de quem gostava se foi pela morte.
Chorei por bons motivos também,  porque alguém de quem gosto se foi para tentar outra sorte.  
Me descobri como mulher de outras maneiras. Me culpei por ser bonita. Me escondi com vergonha de mim mesma. Me revirei para entender onde eu estava me metendo. Mas mudei, mudei e me percebi mais livre, nem por isso menos angustiada, menos duvidosa, mas certamente mais segura. 
Resolvi que me deixaria chorar quando fosse preciso, e chorei. Chorei porque deixei de acreditar que o choro é fraqueza, chorei porque me fizeram chorar, chorei porque me prometi ser diferente, chorei porque... 
Aprendi que não se pode viver só, mesmo que a solidão conforte.  
E de repente, quando tudo parecia caminhar diferente, vi que na verdade repeti erros mas também tateei acertos. 

Difícil....

Difícil  fazer um balanço de um ano tão intenso, com tantas mudanças, caminhos, pessoas, conflitos.
Este foi um ano de desistências, de jogar a toalha, de errar, de pequenos grandes acertos, mas sobretudo um ano de mudanças. 
Deve dizer que neste ano fui mais feliz que ano passado, embora este tenha sido mais dolorido.
Devo dizer que ainda sou uma pessoa tola, dessas que tecem  esperanças sobre o vazio e costumam sorrir dos problemas. 
Mas em 2013 quero enfrentar o que não tive coragem e construir fios mais sólidos. Quero poder realizar o que tive medo. 
Não parece, eu sei, mas estou otimista. 


Até lá, sorte pra nós...

24 dezembro 2012

Um Feliz Natal, até mesmo para você que não merece

- Foda-se o Natal - dizia o velho bêbado pela rua do comércio lotada de pés apressados.  Foda-se você também, sua velha avarenta que gasta 500 paus num perfume e não cospe um centavo pra mim. Ta olhando o que? Você mesmo, filho da puta, partiu um coração apaixonado sem olhar pra trás. Você mesma, vadia que fez uma fofoca, que pisou no calo por querer.
O bêbado estava em cima de um banco, vomitando palavras como esses pastores de mentira que gostam mais de dinheiro do que de deus. 
- Jesus? Farsa! Não existe! Natal, meu não amigo, Natal é o Solstício, festa que os cristão herdaram dos pagãos, que herdaram de algum outro povo qualquer. Natal? Natal é quando você se empanturra da crueldade de matar um animal ou dois que deixam seu sangue à mesa enquanto você tem fartura. Natal é falsidade, fingir que todos se amam se odiando. Natal é pretesto para avaliar a qualidade da herança que a velha mãe doente vai deixar. 
Uma pequena multidão juntou-se para ouvir o bêbado, fosse para condená-lo ou apoiá-lo. 
- Natal é comércio. E porque vocês me olham assim? Assustados? Nunca ninguém lhes disse? Natal é inocência somente quando ainda é tempo de abrir-se um pacote de brinquedo. -A multidão olhava estupefata, tentando convencer-se do contrário em argumentos prontos. 
- Vejam vocês, seus falastrões, que não acreditam em si mesmos e tentam encontrar argumentos para me condenar. E se não os encontram, eu sei porque. - Houve um pequeno silêncio, mas o homem continuou - Por quê? É simples... Porque fodam-se os que se odeiam, fodam-se simplesmente. Quem precisa aturar quem nos odeia? Foda-se se foi Jesus, se é o dia mais longo ou curto do ano, se é só comilança, se é a fartura. Que importa? Ou importa. Deixem de ser bobos, seus tolos, deixem. Deixem que ostentem, que finjam. Afinal, quem aqui não foi tão mau menino quanto eu, tão solitário quanto eu, tão egosísta quanto eu. Quem?
O bêbado atirou a garrafa, que espatifou-se e pelo cheiro de nada revelou-se ser de água.
- Me digam? Quem importa? - Num truque com as pernas o homem deu uma volta sobre si mesmo e endireitou a postura, reverenciou as pessoas e com um sorriso maldoso completou o show.
- Foda-se o que pensam do Natal, afinal, quem precisa de motivos para tentar ser melhor? Quem precisa de religião para amar ao próximo? A quem cabe julgar o bem e o mau? A quem?  Por isso, respeitável público, agradeço, reverencio e apenas desejo um Feliz "Feliz Natal", até mesmo para você que não merece. 

18 dezembro 2012

Elefante em Camadas



Ainda não sei exatamente como descrever este filme, que trata a crueldade com tato e sutileza. O choque, a discussão, tudo é colocado de maneira cuidadosa, mesmo que em alguns momentos o filme acabe caindo em certo clichés maniqueístas, como por exemplo a exploração do nazismo.
Contudo, nas maior parte do tempo o filme não procura culpados ou propõe soluções. Elefante aponta sintomas, dá pistas de que há algo de errado/estranho naquele colégio. O filme passeia pelas situações cotidianas,  momentos casuis e tenta mirar em qual poderia ter sido o disparador daquela situação.
Penso que haveria muitas vertentes pelas quais seguir para analisar essa obra mas proponho  um atentamento ao cuidado com o desenho sonoro, aos sons do colégio, às frases pequenas e pontuais que intensificam a densidade do filme, à trilha musical.
Mas antes disso é preciso pensar que Elefante é um filme de camadas. O primeiro sinal delas está nos intertítulos em telas pretas, com os nomes do(s) personagen(s) que a câmera e o som vão acompanhar naquele momento da narrativa.
Assim como faz a câmera, que passeia pela vida dos personagens um de cada vez decompondo o espaço temporal, o som também é construído através de sobreposições. Afinal, o filme trata de um espaço temporal comum, pois quase todos os acontecimentos com os diversos personagens ocorrem no mesmo momento do dia. Sabemos de sua simultaniedade porque vemos e ouvimos as mesmas ações muitas vezes em difererentes pontos de vista. Exageradamente, e para que não esqueçamos disso em nehum momento, o diretor inclusive opta inclusive pela câmera lenta, afim de chamar a atenção do espectador para determinado evento.

“Eli encontra Jonh no corredor e pede para que amigo pose para um foto. Toca o sinal. Ao fundo passa correndo Michelle, a nerd, que está atrasada para sua monitoria na biblioteca.” Essa cena é repetida três vezes de ângulos diferentes em diferentes partes do filme. Cada ângulo parte do ponto de vista de um personagem. A câmera, seja pelo enquadramento ou pelo foco, priveilegia determinados personagens e ações. Da mesma forma o som acompanhrá princialmente a fala dos meninos nas duas primeiras vezes que a cena surge e depois estará mais preocupado com os passos e a respiração de Michelle. 
    Outro exemplo de simultaniedade de ação em cenas distintas, esse mais enfatizado pela sonoridade, é a primeira sequência do filme. Jonh acabou de chegar atrasado ao colégio e foi para a sala do diretor. Nathan saiu do jogo de futebol americano, caminhou em direção ao prédio  do colégio, encontrou, Carrie - sua namorada - no corredor e dirigiu-se com ela até a secretaria. Enquanto Nathan E Carrie pedem aotorização para sair ouvimos um diálogo bem baixinho a respeito de uma foto, e uma viagem ao Hawai. Diálogo sem importância, já que os personagens focalizados estão pedindo autorização para sair do colégio. Quando Jonh sai da sala da direção e passa pela secretaria, pede para deixar as chaves do carro para seu irmão. Ele pergunta à secretária sobre a foto. Ela diz que foi tirada em sua viagem ao Hawai. Desta vez é  o diálogo entre o casal e a outra secretária que está no segundo plano sonoro.
O diretor utiliza-se desta alternativa durante todo o filme: o volume dos diálogos tem nuances claras, acompanhados pelo movimento e escolha da câmera. Subidas e descidas de áudio colocam-nos em contato com as histórias mais banais. Ao mesmo tempo passam por cima do universo íntimo de cada um dos personagens apresentados, daquilo que é ou não importante para cada um deles. As vozes, que nos dias comuns se misturam, são ouvidas uma a um numa tentativ de demembrar o colégio e e achar o que pode ter engatilhado o massacre.
É num desses passeios feitos pela câmera que Alex, autor do massacre, adiantará à sua colega que tem um plano. Ele não o revela, apenas diz naturalmente "Você verá", enquanto serve-se do almoço. A refeição naquele colégio é natural de todos os dias, da mesma forma como é natural que estudantes cheguem atrasados, peçam para sair mais cedo, revelem fotos no laboratório, frequentem a biblioteca, sejam vítimas de bulling durante a aula ou vomitem no banheiro após almoçar duas folhas de alface. Frases potuais como a de Alex, os barulhos típicos do colégio - como o sinal -  o som do engatilhar da arme frente a Nerd na biblioteca. Contrastes audíveis que colocam em xeque o que faz ou não parte desse mundo chamado de normal.
    Alex é um personagem frio, aparentemente inerte ao mundo do colégio, pianista. Sonata Luz da Lua é a música da primeira sequência do colégio, onde todos os personagens que morrem no massacre aparecem. A melancolia da melodia aponta para a vida tão cotidiana da escola como se fluísse rumo a sua decadência e enxergasse os pequenos conflitos e vazios retratados pelos alunos através dos diálogos aos poucos apresentados. A sonata de Beethoven transita pelas camadas de imagens e sobre o vazio existente em cada um desses adolescentes. O trecho dela que foi esclhido para o filme é repetitivo, assim como é a rotina. Ciclo esse que será quebrado apenas por Alex e seu amigo Eric, também responsável pelo massacre. Contudo, enquanto para Eric o massacre é apenas diversão, para Alex soa algo além. Alex aparece visivelmente deslocado, e a rotina do colégio para ele parece insuportável. Seja na cena de bulling em sala de aula ou pelo momento em que está na praça de alimentação pegando seu almoço.
  Após a rápida troca de palavras com a colega no refeitório, Alex fixa os olhos num ponto. O Barulho das vozes na praça de alimentação se intensifica, aumentando em volume. Os olhos de Alex parados juntamente com o som cada vez mais alto dão nos a sensação de perturbação sentida pelo personagem.  Para Alex a única ligação possível com o colégio está na melancolia, no piano, em Bethoween.
    Alex é pianista, o compositor do massacre. Quando está sóziinho em seu quarto toca primeiro Für Elise, música de melodia simples, mas cheia de nuances de altos e baixos e de camadas que se sobrepõe rapidamente. Aos poucos Alex muda a música que toca. Enquanto isso a câmera percorre seu quarto. A música e os objetos pessoais jogados no quarto de Alex dizem muito mais a respeito dele d oque a abordagem feita no colégio.
  Finalmente as mãos de Alex ao piano chegam em Sonata Luz da Lua, música do cotidiano do colégio. Ele não consegue tocá-la. Erra algumas notas, se irrita com o instrumento e consigo mesmo, desistindo com um gesto obsceno para o piano. Alex é incapaz de acessar o cotidiano melancólico como seus colegas, pois aquele mundo não lhe pertence. Se Sonata Luz da Lua não é possível, ele iniciará sua própria composição. Apesar da ajuda do amigo é Alex que pensa em tudo, que rege o plano, compõe as coordenadas, dá as ordens. O massacre é uma sinfonia, seua sinfonia. Tem expectativa, (a entrada dos dois atiradores vestidoscom roupas militares no colégio), momentos mais agitados, (na primeira parte Alex e Eric saem atirando por todos os lados) calmaria (quando ambos param no refeitório para apreciar o que fizeram), e até mesmo de surpresa, já que Alex mata o amigo que o ajudou com o ataque. Matar Eric e concluir o massacre sozinho é consolidar-se como alguém dentro daquele colégio. Alex deixa de ser apenas parte do cotidiano para se tornar o acontecimento. Grava seu nome no espaço e pode assinar sozinho a autoria de sua obra prima. 




Uma crítica escrita há muito tempo...

10 dezembro 2012

Roda Viva

Faz anos que estamos parados olhando um para o outro. Os momentos se sobrepondo, nunca circulamos no mesmo sentido, um corpo de sins e nãos que se alternam. Você desaparece, ressurge, recomessa. Não sei. 
Talvez ela seja meu alterego, por isso me irrita. Diz as coisas que eu diria, age como eu penso em agir, tenta ser aquilo que não é. Me irrita porque é o que eu sou, é o que eu finjo não ser. Ela desafia, encara, põe à prova. Eu olho nos olhos, rejeito, ignoro, recuo... mentira. 
Não sei o que você me causa, além da dúvida. Inconstante demais para ser intenso sempre, intenso demais para ser somente vazio. Mas sei bem quem é você, pois guardo bem seu toque rude, suas palavras, nossas conversas. 
Ela é meu alterego sim. Alguém que desdenho, mas não desprezo. Persegue, cerca, avança, irrita. 
Quanto a nós somos? Sempre fomos assim, refugiados. Já teríamos engolido um ao outro se fossemos somente carne. Você me desdobra, me põe à prova. Não sei quantas vezes nos perdemos, quantas nos perderemos. Para sempre é muito tempo, nunca é pretensão demais. 

25/01/2009

27 novembro 2012

As quatro estações

Hoje, hoje acordei inverno, gélida sob os cobertores da cama vazia, do corpo aos pedaços, da alma cansada. 
Levantei aos pouquinhos e caminhei pela garoa que virou chuva, que virou vento, que virou nuvem, que virou sol. 
De tarde fui primavera, florescendo sorrisos ralos enquanto esperava pelas flores que ainda não se abriam. Flores que viraram pétalas, que viraram sementes, que viraram partes. 
Entardeceu e sob o vento de crespúsculo senti-me outono. Partes de garoa insistiram em escorrer por meu rosto, mas fui forte, fui quente e não permiti que me chegasse o inverno. 
Amanhã, amanhã talvez eu acorde verão, quem sabe primavera, porque  não final de outono?
Afinal, hoje fui gélida, amanhã posso estar morna

20 novembro 2012

Ei,

você de quem tenho lembranças e saudades. 
Qual é a possibilidade, me diz? Por que teço esse fio cuidadoso de esperança? 
Que me dá calma? Que esfria?
Quais são, afinal, teus gostos musicais? Qual é tua cor favorita? Qual pesadelo te deixou assim?
Vem cá? Você tem medo de mim, é isso?
Deita aqui, deita a cabeça no meu colo e chora. Se não quiser, deixa que eu deite nos teus braços e te olhe.
Me abraça vai, e não pergunta nada.  
Porque você respira assim? Que te aflige?
É verdade mesmo, somos você e eu estranhos. 
Foge comigo? Vem comigo?
Eu sabia, te falta o sentimento que nasce em mim. 
Ei, ei, olha pra cá. Promete? Promete que vai se cuidar?
Vê se pelo menos pára de remédio, deita e descansa a cabeça. 

1/11/2012

30 outubro 2012

Engano

Achei que poderíamos caminhar de mãos dadas.
Achei que seríamos assim, sorridentes.
Achei que éramos semelhantes.
Achei que poderia fazer uma escolha e que tudo de resolveria.
Acuei que estaríamos, 
achei que seríamos, 
achei que éramos.

Mas então, sem achar mais nada abri os olhos e achei apenas o vazio.

25 outubro 2012

Rumos

Cansei - Ela me disse me olhando firme. - Cansei!
Fiquei assustado, e pus rapidamente as sacolas de compras recém tiradas do porta malas sobre a mesa.
- Cansou de que amor? Que houve? - Ela me olhou indignada, do jeito corriqueiro que fazem as mulheres quando querem que adivinhemos seus pensamentos. 
- Não acredito que você está me perguntando isso!
- Vem cá, me diz o que houve - Tentei puxá-la com leveza pelo braço, pois tratá-la com carinho costumava funcionar nessas horas. 
- Não encosta em mim! - Era grave, percebi no ato. Talvez uma frase de impacto fosse melhor. Tentei. 
- Amor, pelo menos me explica, desabafa comigo. - Eu disse. Ela me encarou, como não costumava fazer. 
- Você quer saber? Quer mesmo saber?! - Fiz que sim com a cabeça, temendo pela resposta.
- Cansei de viver a vida do dia-a-dia, de não jantar em lugares paradisíacos, de não ter você por perto quando mais preciso, de trabalhar da aurora ao crespúsculo, de não gozar toda a vez que faço sexo, de não conhecer o mundo, de não ser quem eu gostaria! Cansei! - Surtou. Pensei. Devia ser a tal da TPM, mas nunca tinha acontecido dessa forma. Fiquei atônito. 
- E você? Não vai falar nada? - Balbucieu dois ou três inícios de frase, mas não saiu nada.
- Sabe por que você não vai falar nada? - Apenas esperei a resposta - Porque você não sabe nada a meu respeito! Você não sabe como eu me sinto, ainda não aprendeu o que me dá tesão e o pior, você sabe de tudo isso e finge que nada existe!
Olha pra você também, pro seu emprego que te explora e te faz fingir que você é feliz. Olha pra gente que finge que é feliz! - Ela estava séria e tudo aquilo fez um turbilhão na minha cabeça. Mas respirei fundo, tentando ser racional.
- E o que você acha que a gente pode fazer? - Foi ela quem respirou dessa vez. Jogou-se no sofá conforátavel, mas de classe média e me olhou daquele jeito que as mulheres nos olham quando querem nos desafiar.
- Fugir?
- Pra onde? - Ela me sorriu. Sabia minha resposta antes da pergunta. 
- Vem comigo? - Sentei-me ao seu lado no sofá, procurando as melhores palavras. Ela permitiu que eu a deixasse encostar a cabeça em meu ombro. 
- Vem? - Ela insistiu. Beijei sua testa e acomodei-a melhor em meus braços. Sem dizermos o que não havia para ser dito, dormimos no sofá desajeitados. Quando acordei percebi que não era TPM, não era surto, mas uma decisão tomada há tempos enquanto eu fingia que nada existia. 
Fugira, sem bilhetes, sem dramas, sem olhar pra trás, apenas porque precisava respirar outros ares e talvez se dar a chance de voltar. 

13 outubro 2012

Amores inexistentes

Estranho, por instante pensei. A ausência, o sumiço, o turbilhão, o desejo pelo toque do telefone.
Não sou tola - sempre - nunca fui. Paixão avassaladora, elo, será que falta?
Tanto faz, não é mesmo, porque estou ligada aos encaixes, à agenda, às pequenas brechas, ao tempo.
- Vem cá. Você me ama?
- Quem pode amar um pedaço que inexiste?
- Com posso amar um sorriso que não existe?
- Te amo.
- Amo somente nosso amor inexistente.
Estranho, que essa ausência momentânea é tão natural quanto o afastamento que nos cerca.
Afastados pela nossa proximidade.
Sabe, não faz tanto tempo mas faz. Não faz tanto tempo, mas fecho os olhos e deixo ir. Afinal, quem pode amar um amor que já existe?

03 outubro 2012

A morte

morte nunca é fácil, nunca é aceitável, nunca nos parece boa. A morte aos 5 é devastadora, 20 arranca-nos o coração, aos 30, aos 40, aos 50,aos 90, não importa; nos desarma, nos fere, nos destroi. Destroi porque não importa a idade, a gente sempre acha que as pessoas são eternas, a gente sempre acha que a sabedoria supera a doença, que o otimismo supera as angústias, que a vida supera seu próprio fim.
morte nunca é fácil, nunca é bela, sublime, simples. Nem por isso precisa ser assustadora, embora seja, nem por isso precisa ser vazia, embora pareça, nem por isso precisa ser temida, embora seja. 
morte é desses mistérios que a gente vê na vida, é dessas coisas que a gente tenta racionalizar e não consegue, é dessas coisas que a gente fica fingindo que não se importa. Talvez porque a morte seja dessas coisas da vida, dessas coisas que a gente sabe que são assim mas nos machucam, nos ferem, nos intrigam. A morte: simplesmente a única  certeza, o mais duro aprendizado. Afinal, a vida é assim e tudo o que vive, morre.  

29 setembro 2012

Tempo

Há quantos tempo nos conhecemos? 20? Quase 30 anos? Pelo menos foi a esse número que cheguei nas minhas últimas contas. Deve dizer que fizemos sexo? Devo dizer o que a nosso respeito?  Por não saber, digo aquilo que sempre digo, que somos amigos de infância, que nossas famílias se conhecem desde de que me conheço por gente, que estudamos juntos e construímos uma história que talvez tenha errado o tempo, a forma, a vez. 
Há quanto tempo nos conhecemos? Duas, três, cinco semanas? Não sei te dizer, sei apenas que te conheço desde que eu sorri e você brincou com meu nome. Te conheço desde que brindamos o primeiro copo, desde nossa primeira aventura, despedida, frio na barriga, decepção, volta, sorriso. Sei o que você me conta, o que eu percebo e o que os meus olhos enxergam.
Há quanto tempo nos esbarramos? 20, 30 anos? E porque não nos vemos, não nos sabemos, não nos envolvemos?
Há quanto tempo nos procuramos? Hoje, amanhã, ontem? E por quê? É porque te vejo por dentro e por fora, porque somos íntimos, porque o tempo simplesmente não precisou nos dar mais tempo ao tempo.

20 setembro 2012

Voltas


Algumas vezes o mundo dá voltas. Na verdade ele sempre gira para um mesmo rumo além do que podemos compreeender. 
Ninguém se importa com nada, somos todos iguais achando que somos diferentes. 
Eu também sou assim: chata, mentirosa e inacessível; tão displecente e desligada de todas as coisas que amo. Isso porque o mundo sempre gira, numa loucura que me faz fingir ser aquilo que sou não sou. 
Você deve me achar louca, saiba que eu também penso assim. 
 

Escrito em 21/3/07. 

12 setembro 2012

Ousar

Não ouso falar o teu nome, dizer tua cor, o tom dos teus olhos, o louro acastanhado dos teus cabelos.
Não ouso olhar-te nos olhos, beijar tua boca, esquecer-te.
Não ouso sentir-te, rir-te ou fingir-te. Sequer ouso escutar tua voz ou ler tuas palavras recém escritas.
Mas ouso, ouso sim, ouso olhar-te escondida, calar-te em bilhetes, tirar-te o fôlego em sorrisos.
Ouso, ouso sim, tentando fazer-te me perceber para que juntos ousemos fingir que não somos nós mesmos.

05 setembro 2012

A Doença do Pai


Naquele dia o pai adoeceu, teve uma crise nervosa louca, tirou todos do sério.
Que doença era aquela? Doença séria, daquelas que não tem porque não querem ser curar.  
Naquele dia o pai matou os filhos no grito sem paciência e a mulher na raiva sem motivos. O pai
não queria curar-se, e quem poderia viver com ele assim? Antes o pai era pai, do nada o pai virava pó.
Seus gritos sem razão ecoavam pelo ar. Brincadeiras fora de hora e instigadas
por estigmas que cresciam gradativamente. Não tinha mais graça, nem mais
nada. Morre devagar o pai, que tenta estar dentro mas está fora.
Ninguém agüenta esta doença fétida, amargurada e exibicionista. Doença que traz aquilo que o pai esconde, mas que o pai é. Morre aos poucos e vai morrendo, arrasta-se, talvez nem perceba. 
A doença consome as capacidades do pai, e por que tem que estar errado o médico e certo o pai?
E por que tem que calar-se o filho para ouvir o pai? E por que deve ser-se esposa junto desse pai?
Que doença! Veja esta fumaça fétida que sai da boca do pai. Veja esses dentes podres que tem o pai. Veja este nervosismo louco que atinge o pai. Veja este homem tosco que é...
Naquele dia o pai adoeceu, num surto de raiva fechou seus olhos, tapou os ouvidos, trancou a mente, adormeceu. Alguém ainda deve sentir saudades do pai, e talvez ainda exista esperança, pois a cada segundo morre um pai.


16/04/2006

28 agosto 2012

Ver

A última vez que eu a vi nem faz tanto tempo, mas na verdade faz. Eu a vi, ela não me viu, sequer notou minha presença. 

Chegamos em sua casa para a visita habitual e já era crepúsculo. Um resto de luz no céu não deixava ser noite. Toquei a campainha e pelas frestas da cortina de renda pude perceber que ela assistia à TV.  E a TV nem estava tão alta assim, sei que ela poderia ter nos escutado. 
Mas ela não ouviu, nem a campainha, nem o telefone, nem os gritos, nem nada. Chegou a olhar para fora como se procurasse por algo, mas não nos viu nem nos encontrou. Seus olhos percorreram vagos pela rua e depois ela pousou-os novamente sobre a tela luminosa da televisão. 
Tentamos, sem sucesso, fazê-las nos encontrar de outras maneiras e em nosso último suspiro de ânimo deixamos um bilhete na caixa de correio. 
Ela não nos viu, sinceramente não sei quando vai nos ver de novo.
Na verdade eu não sei qual será a última vez que vou vê-la. E não é ver olhando apenas. Afinal, assim, só com os olhos, pude vê-la por detrás da cortina e ela poderá me ver na próxima visita. Digo ver de verdade, encontrar, reconhecer... 
Estranho, penso, estranho porque quando meu avó morreu ele morreu antes da morte. O que restou foi um fio de olhos vazios que não enxergava nada, não falava, não vivia. Estranho perceber, através da cortina, os mesmo olhos que nada veem, que se distanciam e que morrem enquanto fingem viver. 



Foto retirada de http://www.flickr.com/photos/gracie_said/7173626038/

23 agosto 2012

A MENINA TRISTE

A menina triste levantou os pés e remexeu-se na cama.
A menina triste disse bom dia porque era educada.
A menina triste passou o verão sentada olhando as árvores balançarem.
A menina triste comeu carne na janta porque a mãe mandou.
A menina triste viu que a chuva caia forte no fim da tarde.
A menina triste riu do desenho animado porque todos diziam que era engraçado.
A menina triste começou a gostar de rir.
A menina triste não pôde ver TV porque era hora de dormir.
A menina triste foi à escola aprender coisas que nunca usaria.
A menina triste não respondeu à altura porque era falta de respeito.
A menina triste sorriu para a diretora, mesmo sem gostar dela.
A menina triste ficou parada vendo as figuras do livro
A menina triste foi obrigada a ler o livro chato sem figuras.
A menina triste ouviu dizer que era feio ser triste
A menina triste aprendeu a sorrir, mesmo estando triste.
A menina triste obedeceu; e nunca mais ficou triste.


Escrito em 16/12/05

17 agosto 2012

Bobagem

De verdade? Eu tenho mesmo esse jeito meio duro-direto-apaixonado-tolo-emotivo que me faz apaixonar-me pelas pessoas. E eu as amos, amo mesmo, nem que seja por apenas uma semana. Por isso toda a vez que vão-se embora fico assim, triste escondida sob meu sorriso de despedida.
Verdade, eu amo mesmo, amo sim, desse jeito confuso que ainda não conseguiu aprender odiar de fato., pois insisto em odiar somente aos pouquinhos.
De verdade? Sou assim, tenho mesmo esse jeito que não chora mas sorri, esse jeito tão nostálgico que se pega chorando sem saber. 
Bobagem, parece, bobagem sentir falta dessas pessoas que passam e nos conquistam na superfície, Bobagem porque eu as amo lá no fundo, da maneira mais superficial que consigo. Amo quem me sorri sem saber, quem me reclama, me chateia, me cutuca. 
Bobagem, não é? Bobagem porque cada arrogância alheia me incomoda e me conquista. Porque cada vez que mudo meu coração aperta e sorrindo me despeço.  Sorrindo porque sei que sempre existirá uma tola nostalgia a me fazer sorrir em cada lembrança.

06 agosto 2012

Nunca

Pedro acordou em meio à madrugada, estava um pouco frio mas alguém já o cobrira. Eram apenas as cortinas que faziam barulho, pois a janela tinha se fechado sozinha como num passe de mágica. Pousado sobre o criado mudo estava seu livro favorito, Peter Pan. Mais uma vez Pedro dormira revendo as ilustrações.

Pedro era um menino comum, desses de contos infantis. Tinha pai, mãe, irmãos e uma namoradinha de infância. De cara feia era a coisa mais linda do mundo. Rancoroso? Ah! Um amor. Sorrindo? Nossa! Um anjo, desses que toda a avó guarda no porta-retrato.
Mas Pedro tinha decidido, seria criança para sempre e mesmo tendo uma mãe persistente, como essas de histórias contadas, não houve jeito. Não houve psicólogo, psiquiatra ou psicoterapeta que fizesse Pedro  fechar a janela para dormir. Não estava preparado, talvez nunca estivesse.
As pernas esticaram, o rosto ganhou barba, a voz engrossou e a Terra do Nunca continuou nos sonhos do menino. Pedro tinha certeza que dia em que o jovem Pan viria buscá-lo para seguirem juntos em uma aventura.

Até houve vezes, poucas vezes, que Pedro tentou viver no mundo real e se deixar ser como gente grande. Porém seu mundo era tão melhor, tão mais fácil... era tão mais legal ser apenas um garotinho.
Talvez tenha sido por isso nunca houve jeito, e os pais de Pedro tenham ido sem vê-lo crescer. Foi essa a primeira vez que Pedro sentiu dor de adulto. Até então pensava que a morte fosse como nos livros, onde não tem solução, mas tem jeito. Pedro descobriu que na vida real a dor doia e finalmente olhou para os lados e percebeu-se só. Era nada além do garoto esquisito, cujas pessoas diziam que não tivera infância ou preferiam apenas não dizer nada.

Mas no mundo dos contos de fadas a dor vai logo embora, por isso Pedro hesitou quando lhe ofereceram mudanças. Decidiu retomar sua vida: saia aos domingos para ir ao parque, comia doces escondidos antes do jantar, deixava os brinquedos espalhados pelo chão da casa, via desenho animado até tarde.
Assim, Pedro nunca deixou de sonhar, nunca desistiu.  "Quando você vem me buscar?", questionava às estrelas esperando que Peter pudesse ouví-lo "Quando?".

Parecia mesmo que Peter não viria nunca, e por isso naquela noite Pedro adormeceu, deixando dessa vez a janela entre-aberta para conter um pouco o vento que lhe causava piagarro. Talvez por isso ele tenha se assustado ao ouvir passos de criança dentro de seu quarto. Talvez por isso quase não tenha visto a sombra sozinha que escondia-se de seu dono dentro das gavetas.
Pedro apenas percebeu o que estava acontecendo quando olhou as próprias mãos, salpicadas de algo tão brilhante e reluzente que iluminava o quarto todo. Era verdade, pensava, sempre fora verdade.
Pedro pulou da cama e assim mesmo, de pijamas, dirigiu-se à janela. Pulou tão alto que logo alçou voo, voando até que o ar lhe cortasse as bochechas. Talvez tivesse seguido para a Terra do Nunca, certamente não voltaria mais.


 

31 julho 2012

Dona Morte


Ri para mim ela
vestida em preto branco,
a figura magrela
atrás do velho manto.

A face cinzenta. É careca,
irônica e torta
Mas diz-se fina boneca
inclusive quando arrota 

E, como pode?
É tão etérea, que porte!
Justo a cinza megera
já conhecida morte.

Quer mais? Veja só
além de tudo é arquétipa,
quer passar por santa.
Dos dentes tenho dó.
É uma figura patética
e inclusive manca.

É louca, chata, enfim,
decerto não teve sorte
Só peço eu, dona morte,
que passe longe de mim.



Não sou boa nas poesias, mas essa me gusta :)

23 julho 2012

O preço da felicidade

- Dois milhões e nem um centavo a mais - dizia o anúncio. Carina caminhava pelo lado oposto da rua e voltou-se para enxergar melhor. Nas letras miúdas falava-se que não se garantia felicidade futura, mas que as lembranças, o passado, tudo seria inigualavelmente feliz. Eliminariam-se os traumas, as incertezas, as bobagices. 
Carina pareceu interessada. Diferente da maioria das pessoas, para ela dois milhões nem era tanto dinheiro assim. 
Impensando, tomou um táxi e foi direto ao endereço marcado no anúncio. Surpreendeu-se com a fachada de vidro, o paisagismo do jardim à porta, o mármore impecavelmente branco no piso. 
Recebida com café e bolachinhas tão macias que desmanchavam na ponta da língua, derreteu-se fácil pelos sorrisos mais amistosos que já vira e que por si só fizeram seu dia mais alegre. 
Em seu passeio fora levada a diversas salas, cheias de grandes especialistas que lhe contavam sobre o método inovador.  A cada conversa sentia-se mais e mais leve. Era surpreendente, como se cada trauma, cada tristeza, cada arrependimento se deixasse escapar. 
- Mas como saber se serei feliz de verdade - perguntou Carina ao médico que lhe fez o último exame. 
- É simples - respondeu pianamente - com o coração livre  de traumas, seu futuro será mais leve e ingênuo. - Carina sorriu, pensando que aquela solução impensada solucionaria  sua alma impensante. 
- Eu pago - disse - pago o que for preciso. 
O médico lhe sorriu com uma doçura tão grande que Carina desfaleceu sem qualquer injeção. Era assim mesmo, sem dor. Numa cirurgia rápida o médico limpou-lhe as amarguras, os resquícios, as doenças. 
Bobagem, talvez parecesse, mas em apenas uma hora Carina estava de pé, sorrindo tão feliz quanto sua foto na rede social. Felicidade de verdade, daquelas que ninguém nunca viu e que faz o chão tremer. 
Antes de partir Carina ainda selecionou seus amigos de verdade, colegas que desejava por perto e os tolos que menosprezaria. Programou ainda suas maravilhosas viagens futuras, seus romances bem sucedidos, suas vitórias, suas não derrotas, suas não marcas. Marcou quem queria que a marcasse e deixou que cuidassem de tudo por ela. Em sua inércia Carina teve alta e saiu sorrindo como nunca sorrira. Um sorriso tão belo e tão largo, tão radiante e tão vazio de amarguras, de más lembranças, de profundidades. Sorriu Carina e sorria, sorriria, sorriria, sorriria... Simplesmente assim, como nunca antes sorrira. 

18 julho 2012

Joga-te,

do abismo, da montanha, de onde a ponta dos teus pés puder pular.
Joga-te porque viver o amanhã não interessa mais. Afinal, talvez amanhã eu chore, ou sorria, ou viva, ou morra, que mais? Apenas jogua-te e não me deixa saber como, quando ou porquê.
É medo? Então diz, feridas ou marcas, quem pode viver sem elas? Diz, porque talvez eu deva lhe dizer que o que senti um dia não sinto mais, o que sinto agora nunca senti.
Por isso, fecha os olhos e não escuta a ninguém, nem a mim, nem a ti. Caminha reto, respira fundo e pula! Pula o mais alto que a ponta dos teus pés puder alcançar!
Joga-te, deixa que o vento te leva e que a vida corra por nós. Afinal, se cairmos cada um para o lado talvez apenas eu desabe enquanto tu choras. Que importa? Afinal tudo que se quebra se conserta, dá-se um jeito.
Deixa ir, abstrai; quem não se fere não vive e enquanto o tempo cura, juntam-se os cacos, levanta-se e vai.
Por isso não pensa, não olha pra baixo. Venha, mê dá a mão e pula comigo. Afinal, o futuro é tão incerto, talvez nem precise ser assim. Quem sabe o céu esteja limpo e a gente voe, pouse e siga por um caminho tranquilo e, mesmo oposto, incapaz de nos deixar mais que apenas lembranças.

13 julho 2012

Babila


Babila e eu nos conhecemos meninas, de camiseta, shorts, uniforme e trancinhas. Ela loira, eu morena. 
Não, não éramos melhores amigas, nem amigas sequer. Também não éramos inimigas ou coisa parecida, apenas andávamos em grupos diferentes. Éramos assim, duas meninas que dividiam um espaço comum, se cruzavam e conversavam às vezes.
Um dia mudamos os caminhos, ela foi pra lá, eu pra cá e não nos vimos mais. Talvez por isso tenha sido tão curioso nosso reencontro, justamente no ginásio que treinávamos juntas. Sabe, foi aquele reencontro ao acaso, quando as pessoas se reconhecem sem se conhecerem. Conversamos pouco, sobre o passado, sobre as lembranças, sobre a vida. Desde então eu a vi poucas vezes, mas sempre encontrando-a por aí.
Essa semana soube que ela se foi e eu ainda não acredito que não vou mais revê-la. Talvez aconteça de novo, talvez daqui a dez anos eu entre num ginásio e ela esteja lá, Vou olhá-la, pensar que a conheço e dizer a aquela mulher madura: ei, você não é a Babila? Lembra, a gente treinava juntas, de trancinhas, e riremos disso por alguns minutos. Será um bom reencontro, tenho certeza. Talvez seja apenas mais ameno, como esses rápidos e esporádicos encontros que tivemos por esse ano.
E a certeza do re-encontra-la cresce a cada segundo, porque nada justifica o fato dela ter ido embora tão jovem. Nada justifica essa bobagem toda, dela ter ido tão de repende sem defesa e sem poder se despedir. Por isso apenas não acredito que ela se foi, e finjo que nãome diz respeito. Finjo porque sei que ela sempre estará por aí, de bobeira, pronta para reencontrar a todos nós, sorrir e dizer olá. 


Uma homenagem não tão bem escrita a alguém que se foi tão de repente.

09 julho 2012

O jardim das não verdades


Quando acordou, olhou as azaléias abertas. Algumas brancas, outras rosadas, uma azul. Era azul celeste, royal, marinho.
Mas se não existem azaleias azuis, talvez quase azuis, azuladas, azaleias, que bobagem! Quem pode gostar de uma flor que nasce em julho, em meio ao seco frio da chuva?

Quando acordou, viu seus chinelos sob a cama, seu edredon sobre a mesa, suas palavras sobre si. Acredite, é o mesmo sol que bate em seu rosto, esconde as marcas de batom que sugam o sangue e afloram as lembranças.

Não me pergunte, pois eu não acredito em mentiras, só em não verdades, Sou como ele, acredito em cada palavra que colho com aquelas azaleias azul-azuladas que florescem em todas as manhãs de chuva e sol. Acredite, pois acreditamos em cada não verdade que nos esbarra.

Ikebana, azaleias, orquídeas, vivas-mortas-retorcidas-multiladas. Quem mais precisa de cuidados? Eu, tu, ele, nós?  Mentira? Verdade? Não verdade? 

Que bobagem, dizemos. Apenas nos deixe em paz, nos deixe dormir, deixe. Quando acordarmos choverá, e sob o sol colheremos nossas azaleias azuis.

05 julho 2012

Valores

Não adianta você me olhar assim, dizer o que quer que seja, sorrir, não adianta. Assim como também não adianta dizer que não tem nada haver, que você não está levando isso a sério, que estava bom do jeito que estava. 
Pode parecer bobo, eu sei, mas a partir do momento que você fura fila, compra droga na favela, dirige perigosamente, e finge que não é problema seu, a gente se afasta e não há sorriso ou olho azul capaz de me re-seduzir.
Entenda,  é apenas porque não concordo, para mim lima nossas conversas, amassa nossos elos. 
Perceba, eu e você não saiamos para os mesmos lugares, embora escutemos o mesmo tipo de música, não caminhamos para o mesmo lado, nem mesmo quando damos as mãos. 
Eu sou assim, mesmo acreditando em liberdade, também acredito nas regras, tento encontrar um porque, uma causa, uma razão, e isso não lhe interessa. 
Sendo assim, mesmo que quando estejamos juntos as coisas peguem fogo, mesmo que minha boca arda quando encontre a sua, prefiro apagar a lenha e deixar que aos poucos a fumaça se va, se va e se va, perdendo-se enquanto se mistura com o ar.

26 junho 2012

Aceito Passe


A velha calça preta jeans desbotada, os olhos semi fechados desprotegidos e
com medo do sol, a camisa verde listrada, manchada e amarelada.
Vendia balas de goma, que passavam rapidamente pelos olhares apressados. Faziam sinal negativo com a cabeça, mediam-no de cima a baixo. As pessoas passavam sem o ver, desconexas com aquele mundo tão distante de si mesmas. Ele era invisível, sequer olhavam para o lado.
O sorriso vazio manchado de amarelo. Aceito passe, pedia, retrucava, mas padeciam educados e negativos os rostos comuns. Aceito passe, repetia triste enquanto ia aos poucos perdendo dentro de si o resto de sua vida. A barba já escondia-lhe o rosto enquanto sua imagem tornava-se apenas reflexo.
Não era malandragem, era súplica. Nem por isso mudavam as reações; as cabeças continuavam a balançar, as vozes continuavam a deixá-lo mais impotente.
Aquilo homem não era digno para aquelas pessoas, nem para o mundo delas. E quando me lembro disso tudo, lembro-me como um borrão em minha memória. Mas a figura caída e invisível daquele homem não passou despercebida por mim. Sua camisa era verde, cor tola da esperança. Cor do  contraste com a avareza branca, preta, oriental ou indígena que lhe sorria amarelo.
Era mais que uma venda, era um gemido angustiado, tão baixo, tão apático, morto, fétido em seu mal gosto. Por isso olhei-o ainda mais uma vez, numa fria análise sobre sua figura. Malditos
avarentos, por um instante pensei. Mas antes que aquele homem suplicasse a mim subi rapidamente no ônibus, sem comprar uma bala sequer.

16 junho 2012

Rastros

Quando eu acordei naquela manhã e não vi seu bilhete sobre a mesa, pensei o que estava errado. Talvez você tivesse saído mais cedo e se esquecido, talvez estivesse trabalhando demais, talvez não tivesse lido minha mensagem. 
Bobagem, pensei enquanto colocava o café na xícara, uma bobagem pensar nisso. Amanhã com certeza a gente se encontra e se resolve. 
Cheguei em casa tarde, tudo apagado, um silêncio tão mórbido que fazia meus passos ecoarem no laminado de madeira. Acendi a luz e minha xícara de café ainda estava no mesmo lugar que deixei, assim como as almofadas da sala, a toalha no chão do banheiro, o edredon. Sobre a mesa não havia bilhete, mensagem, sinal. 
Num gesto automático liguei a tevê, e pensativa tirei o celular da bolsa. Valeria a pena ligar, saber onde você estava, por que se fora? Fiquei o tempo que precisei olhando o celular e digitando possíveis mensagens que nunca enviei, até adormecer no sofá. Eu não sonhei, e acordei de manhã assustada com o despertador. Não tinha tomado banho e minhas costas doiam da noite mal dormida. Novamente procurei, mas não vi rastro seu
Estranho pensar que nos dávamos bem, que nossas conversas eram constantes, que você me sorria. Foi tão de repente que perdi o chão e não encontrei. Por isso, com ou sem sinal seu eu apenas me levanto, tomo banho e saio, pensando que nada disso vale a pena e que em algum momento fui tola o suficiente para imaginar que você seria especial. Levanto, erguo os olhos e olho para frente, somente para frente, mas ainda procurando insensata por um rastro ou bilhete qualquer sobre a mesa.  

31 maio 2012

A ELEIÇÃO


Já que não posso escrever, vai um reciclagem escrita por mim aos 8 anos. O texto foi copiado na íntegra, inclusive com os erros.


Era uma vez uma cidade chamada Pontaçam .
Essa cidade se chamava assim, porque quem vivia la eram esses símbulos: o . [ponto] final, o ponto de !, [excalmação] e etc.
Um dia a virgula resolveu:
 - Vamos fazer o seguinte: já que todos queremos ser os melhores vamos chamar as crianças. Antes que terminasse a fala o ponto final disse:
 - Para que crianças?
 - Simples, para o auditório e tambem para decidirem quem é o (a) melhor. todos aplaudiram a vírgula.
No dia a vírgula estava preparada para ganhar quando disse:
  -Ba! ninguém me vemsse [vence] nésta todos vam [vão] votar em mim . A virgula preparou um texto e foi a o palco.
Quando estava tudo pronto foi chamado ponto a ponto.
A decisão era difícil para as crianças, mas os pontos era fácil, só votavam em si. Você sabe porque, claro todos queriam ganhar. Se fosse você tanbem quereria ganhar não é? Mas a opinião das criaças foi assim: todos os pontos sam [são] boms; Todo mundo ficou desapontado principalmente a virgula. Mas uma criança disse:
  -Porque estão tristes?
Foi ai que o ponto de esclamaçam [excalmação] disse:
 - É porque todos querião guanhar. [ganhar]
Logo uma das meninas da platéia disse:
 - Mas não intendo todos sam [são] inportantes.
Depois dos pontos estarem arrependidos, aprederam porque queriam ser os melhores.
E depois de um tempo, virão que todos eram importantes, e virão que ninguem os dispresava[desprezava]
Logo fizerão uma grande roda e mencionaram o nome de cada ponto um a um



22 maio 2012

O vazio do fundos dos teus olhos


Vazio, foi assim que o enxerguei quando cheguei mais perto e não o toquei. Os olhos evasivos, a boca da qual não saiam sequer grunidos, o não prazer. 
Pensar que não te atinjo, nem sequer na superfície.
Por que esse vazio, esse nariz que não respira, este corpo que não sente? Por que esse buraco? Essa ausência?
Intocável, inatingível seja por ti mesmo ou por minha impotência, insanidade, incapacidade. 
O prazer de uma aventura mascarada num sorriso que se guarda e que se perde, num momento que se vive e que se esconde. 
Quanto mais perto, mais distante, quanto mais fundo, mais oco, mais enclausurado, mais silencioso. 
É um olhar que se cobre sobre o meu, que se perde na palavra que não diz, que não se dá a chance de sentir. Afinal, fomos apenas um par de olhos desviantes na penumbra, acuados em semblantes sem êxtase.
Quanto mais perto, mais longe, mais longe, mais longe. Um de frente para o outro, nos olhamos sem nos vermos. 
E pensar que engolimos um ao outro em desejos camuflados. Camuflados pelo vazio do fundo dos teus olhos que aparam, que sorriem, que evitam.
Fomos assim, livres por essa insanidade do fundo vazio dos nossos olhos, tão oca e plácida quanto nosso desejo, misturado e esparramado sobre sensações que não experimentamos e que não nos pertencem. 

08 maio 2012

Adoro


lembrar de ti como se o tivesse visto ontem. Adoro pensar que não há qualquer distância. Adoro a maneira platônica como o encontro em meu pensamento, adoro sentir que tuas palavras fluem. Adoro sentir-me adolescente e incomodada. Adoro sentir o frio na barriga. Adoro o jeito que teus olhos não me encontram. 

Adoro discordar. Adoro dizer que sou uma coisa, que penso de uma maneira, que sou assim. Adoro estar nervosa, levemente radiante. Adoro sentir-me leve, sem saber por onde piso ou para onde vou. Adoro estar centrada. Adoro ouvir as palavras fluírem sem que eu pense exatamente sobre elas. Adoro olhar para as letras dançando no papel e perceber como não dizem nada. Adoro estar ansiosa. Adoro fingir que não há nada acontecendo. Adoro essa sensação passageira. 

Adoro sentir sem saber o que, adoro sentir sem me perguntar por quê.






15 abril 2012

Os problemas,


os problemas, a gente precisa resolver. Um amor desencantado, uma briga mal resolvida, um infortúnio. 
Les problèmes attendent , dizem os franceses. E esperam mesmo, esperam a vida toda e não há fuga que os faça fugir. 
Mas ainda assim Márcio o fez. Ele fugiu e ainda foge a cada silêncio, a cada resposta não dita, a cada agressividade. Foge atando-se ao vazio e às insanidades. 
Isso porque a fuga é assim, anda de mãos dadas conosco num arco-íris de fumaça e fogo. 
Só que não adianta fugir de mim, diz o problema ao pé do ouvido, eu sempre serei sua sombra, sua memória, seu remorso. 
Mas Márcio, Márcio batia os pés em silêncio, enrijecia as mãos, recorria às lembranças mal talhadas. 
Afinal, quanto mais se espera pela solução, mais cresce o problema, mais intenso fica, mais obscuro, mais abstrato.
Talvez Márcio se sentisse só, encarcerado em seu passado e pisoteando o presente. Talvez precisasse apenas abrir os olhos e enxergar o futuro. É, talvez precisasse ser assim, enfrentar de vez e deixar o passado finalmente ir, e ir, e ir, e ir, e ir. Assim, quem sabe poderia livrar-se de toda a mágoa, de todo o mal. E ser livre, finalmente livre.

12/4/2012