Fiquei assustado, e pus rapidamente as sacolas de compras recém tiradas do porta malas sobre a mesa.
- Cansou de que amor? Que houve? - Ela me olhou indignada, do jeito corriqueiro que fazem as mulheres quando querem que adivinhemos seus pensamentos.
- Não acredito que você está me perguntando isso!
- Vem cá, me diz o que houve - Tentei puxá-la com leveza pelo braço, pois tratá-la com carinho costumava funcionar nessas horas.
- Não encosta em mim! - Era grave, percebi no ato. Talvez uma frase de impacto fosse melhor. Tentei.
- Amor, pelo menos me explica, desabafa comigo. - Eu disse. Ela me encarou, como não costumava fazer.
- Você quer saber? Quer mesmo saber?! - Fiz que sim com a cabeça, temendo pela resposta.
- Cansei de viver a vida do dia-a-dia, de não jantar em lugares paradisíacos, de não ter você por perto quando mais preciso, de trabalhar da aurora ao crespúsculo, de não gozar toda a vez que faço sexo, de não conhecer o mundo, de não ser quem eu gostaria! Cansei! - Surtou. Pensei. Devia ser a tal da TPM, mas nunca tinha acontecido dessa forma. Fiquei atônito.
- E você? Não vai falar nada? - Balbucieu dois ou três inícios de frase, mas não saiu nada.
- Sabe por que você não vai falar nada? - Apenas esperei a resposta - Porque você não sabe nada a meu respeito! Você não sabe como eu me sinto, ainda não aprendeu o que me dá tesão e o pior, você sabe de tudo isso e finge que nada existe!
Olha pra você também, pro seu emprego que te explora e te faz fingir que você é feliz. Olha pra gente que finge que é feliz! - Ela estava séria e tudo aquilo fez um turbilhão na minha cabeça. Mas respirei fundo, tentando ser racional.
- E o que você acha que a gente pode fazer? - Foi ela quem respirou dessa vez. Jogou-se no sofá conforátavel, mas de classe média e me olhou daquele jeito que as mulheres nos olham quando querem nos desafiar.
- Fugir?
- Pra onde? - Ela me sorriu. Sabia minha resposta antes da pergunta.
- Vem comigo? - Sentei-me ao seu lado no sofá, procurando as melhores palavras. Ela permitiu que eu a deixasse encostar a cabeça em meu ombro.
- Vem? - Ela insistiu. Beijei sua testa e acomodei-a melhor em meus braços. Sem dizermos o que não havia para ser dito, dormimos no sofá desajeitados. Quando acordei percebi que não era TPM, não era surto, mas uma decisão tomada há tempos enquanto eu fingia que nada existia.
Fugira, sem bilhetes, sem dramas, sem olhar pra trás, apenas porque precisava respirar outros ares e talvez se dar a chance de voltar.