Que adolescente nunca quis pôr o pé na estrada e não olhar para trás? Olhar o mundo sempre novo, de novo, outra vez. Pé na estrada, foi assim, e num estalo eu fui.
Mas sabe, a verdade, a verdade é que a gente sente falta dessas coisas mesmo, do pãozinho da esquina de casa, de saber qual semáforo abre primeiro naquele cruzamento cheio, de conhecer o melhor atalho, de fechar os olhos e dirigir. Sente falta até de se esconder daquele vizinho chato, aquele, que sabe seu nome, que puxa assunto...
Outro dia desses eu saia de casa de carro - era a minha casa mesmo, não essas tantas que adoto por aí - e vi uma vizinha saindo com uma grande sacola. Eu já tinha visto ela algumas vezes então parei pra oferecer carona. Ela aceitou. Puxa, a sacola estava pesada mesmo.
E aí, aí, a gente conversou aquelas coisas que a gente conversa com aquelas pessoas que a gente não conhece. E a conversa foi boa, ela disse que eu era um jovem simpático, que lembrava um pouco um dos filhos dela. Mais pro fim da conversa, ela me perguntou se eu era novo naquele condomínio. Foi estranho, sabe? Foi estranho quando eu sorri sem saber o que dizer. Estranho porque foi uma daquelas pausas de meio segundo: ela ficou ali, esperando a resposta do rapaz educado que tinha conhecido. E eu? Então, o que eu podia fazer? Eu respondi suavemente, um pouco tímido, quase como quem se desculpa por tanta ausência: "há 21 anos...". Ela apenas sorriu, e sem grandes espantos se despediu, agradecendo a carona.
Nos meses seguintes, nos meses seguintes, eu nunca mais a vi. E o engraçado é que eu não lembro o nome dela, assim como não lembro o nome do porteiro, a quem poderia perguntar sobre ela... É, acho que é como diz um senhor desses que conheci na estrada: "Faz parte, guri, faz parte"
A verdade? A verdade não importa. Importa que até o o tempero da comida... nunca, nunca é o mesmo, nem ao menos parecido. É tudo diferente. Até o gosto do refrigerante muda. Da água à hora que o sol se põe...
De verdade? A gente sente falta desse negócio todo aí... dessa rotina, sabe? É engraçado, mas justo eu assino jornal, aquele de papel ainda. Acho gostoso sentir o cheiro do café misturado à tinta que fica nos dedos. Só que por essa hora meu jornal deve estar em uma pilha gigantesca cheirando a notícia velha, dessas que não valem mais nada, nem pra puxar assunto com a pessoa sem nome que prepara aquele pão na chapa. Mas também, que importa? São notícias de outro lugar, de outra época, não valem nada mesmo.
O que vale de verdade? A verdade é que nem sei há quanto tempo eu estou viajando, tô na estrada. Só sei que vou, e vou, e vou. E dessa vez, poxa, dessa vez eu já tinha até decorado o nome do Seu Manuel, um senhor que senta na cadeira de balaço e quando a gente fala com ele, ele responde num tom de quem se reanima: "fala comigo! Fala comigo, meu filho". Vou sentir falta disso, do seu Manuel...
Texto escrito com a enorme colaboração de Denis Anjos :)