14 junho 2011

Exílio


- Eu já estou pronto.
- Você sabe que não é assim
- As coisas já chegaram ao ponto crítico.
- E?
- Me deixe em paz.

Nos telhados de barro ouviam-se os acordes da chuva. As folhas desprendiam-se formando um tapete no chão. Em desespero as pessoas corriam, loucas para chegar em casa. Chovia, chovia e chovia.
Eu nem sei há quantos anos moro nesta casa, mal me lembro onde foi que nasci. Sei apenas que antes eu falava outras palavras, outros sons, mas nunca mais me permitiram dizê-los a ninguém. 

Quando eu mudei para cá eu joguei fora os cachecois, deixei também empacotados os grandes casacos, passei a andar mais descalça. 
Daquele tempo eu só  me lembro que não há lembranças, não há imagens que eu queira deixar guardadas.
Às vezes me perguntam uma palavra ou outra na minha língua. É estranho, eu nunca a esqueci, mas temo-a a cada verbo. E pensar que um dia eu tive uma língua minha...Aqui não me proíbem exatamente de falá-la. Contudo aqui eu sou esquisita, sou afastada, sou indigna. 
A minha pátria não existe mais. Meus pais não tem história, minha vida não tem registros.
Voltei uma vez apenas. Disseram-me que era seguro, que não havia mais soldados nas ruas. Não me contaram porém que as casas também tinham fugido.
Voltei para nunca mais voltar. Apaguei, como tanto já fizera, aquelas imagens tristes.
Hoje chove, e lá os telhados eram de madeira, não de barro. Eu não vou mais voltar e custo para que as palavras exiladas me fujam da cabeça quando alguém as pergunta a mim. 
Na verdade eu gosto daqui. Os acordes da chuva é apenas diferente, a música é outra, não há neve. Eu nunca mais vi a neve... Na verdade eu não sinto falta dela, nem de mais nada, porque eu não me lembro, porque nunca existiu.