23 julho 2012

O preço da felicidade

- Dois milhões e nem um centavo a mais - dizia o anúncio. Carina caminhava pelo lado oposto da rua e voltou-se para enxergar melhor. Nas letras miúdas falava-se que não se garantia felicidade futura, mas que as lembranças, o passado, tudo seria inigualavelmente feliz. Eliminariam-se os traumas, as incertezas, as bobagices. 
Carina pareceu interessada. Diferente da maioria das pessoas, para ela dois milhões nem era tanto dinheiro assim. 
Impensando, tomou um táxi e foi direto ao endereço marcado no anúncio. Surpreendeu-se com a fachada de vidro, o paisagismo do jardim à porta, o mármore impecavelmente branco no piso. 
Recebida com café e bolachinhas tão macias que desmanchavam na ponta da língua, derreteu-se fácil pelos sorrisos mais amistosos que já vira e que por si só fizeram seu dia mais alegre. 
Em seu passeio fora levada a diversas salas, cheias de grandes especialistas que lhe contavam sobre o método inovador.  A cada conversa sentia-se mais e mais leve. Era surpreendente, como se cada trauma, cada tristeza, cada arrependimento se deixasse escapar. 
- Mas como saber se serei feliz de verdade - perguntou Carina ao médico que lhe fez o último exame. 
- É simples - respondeu pianamente - com o coração livre  de traumas, seu futuro será mais leve e ingênuo. - Carina sorriu, pensando que aquela solução impensada solucionaria  sua alma impensante. 
- Eu pago - disse - pago o que for preciso. 
O médico lhe sorriu com uma doçura tão grande que Carina desfaleceu sem qualquer injeção. Era assim mesmo, sem dor. Numa cirurgia rápida o médico limpou-lhe as amarguras, os resquícios, as doenças. 
Bobagem, talvez parecesse, mas em apenas uma hora Carina estava de pé, sorrindo tão feliz quanto sua foto na rede social. Felicidade de verdade, daquelas que ninguém nunca viu e que faz o chão tremer. 
Antes de partir Carina ainda selecionou seus amigos de verdade, colegas que desejava por perto e os tolos que menosprezaria. Programou ainda suas maravilhosas viagens futuras, seus romances bem sucedidos, suas vitórias, suas não derrotas, suas não marcas. Marcou quem queria que a marcasse e deixou que cuidassem de tudo por ela. Em sua inércia Carina teve alta e saiu sorrindo como nunca sorrira. Um sorriso tão belo e tão largo, tão radiante e tão vazio de amarguras, de más lembranças, de profundidades. Sorriu Carina e sorria, sorriria, sorriria, sorriria... Simplesmente assim, como nunca antes sorrira.