- Dois milhões e nem um
centavo a mais - dizia o anúncio. Carina caminhava pelo lado oposto da
rua e voltou-se para enxergar melhor. Nas letras miúdas falava-se que não
se garantia felicidade futura, mas que as lembranças, o passado, tudo
seria inigualavelmente feliz. Eliminariam-se os traumas, as incertezas,
as bobagices.
Carina pareceu interessada. Diferente da maioria das pessoas, para ela dois milhões nem era tanto dinheiro assim.
Impensando,
tomou um táxi e foi direto ao endereço marcado no anúncio.
Surpreendeu-se com a fachada de vidro, o paisagismo do jardim à porta, o
mármore impecavelmente branco no piso.
Recebida com café e bolachinhas tão macias que desmanchavam na
ponta da língua, derreteu-se fácil pelos sorrisos mais amistosos que já
vira e que por si só fizeram seu dia mais alegre.
Em seu
passeio fora levada a diversas salas, cheias de grandes especialistas que lhe contavam sobre o método inovador. A cada conversa sentia-se mais e mais leve. Era
surpreendente, como se cada trauma, cada tristeza, cada arrependimento
se deixasse escapar.
- Mas como saber se serei feliz de verdade - perguntou Carina ao médico que lhe fez o último exame.
-
É simples - respondeu pianamente - com o coração livre de traumas, seu
futuro será mais leve e ingênuo. - Carina sorriu, pensando que aquela
solução impensada solucionaria sua alma impensante.
- Eu pago - disse - pago o que for preciso.
O médico lhe
sorriu com uma doçura tão grande que Carina desfaleceu sem qualquer
injeção. Era assim mesmo, sem dor. Numa cirurgia rápida o médico
limpou-lhe as amarguras, os resquícios, as doenças.
Bobagem, talvez parecesse, mas em apenas uma hora Carina estava de
pé, sorrindo tão feliz quanto sua foto na rede social. Felicidade de
verdade, daquelas que ninguém nunca viu e que faz o chão tremer.
Antes
de partir Carina ainda selecionou seus amigos de verdade, colegas que
desejava por perto e os tolos que menosprezaria. Programou ainda
suas maravilhosas viagens futuras, seus romances bem sucedidos,
suas vitórias, suas não derrotas, suas não marcas. Marcou quem queria
que a marcasse e deixou que cuidassem de tudo por ela. Em sua inércia
Carina teve alta e saiu sorrindo como nunca sorrira. Um sorriso tão belo
e tão largo, tão radiante e tão vazio de amarguras, de más lembranças,
de profundidades. Sorriu Carina e sorria,
sorriria, sorriria, sorriria... Simplesmente assim, como nunca antes sorrira.