12 março 2014

EU QUERIA QUE VOCÊ ME CONVIDASSE PRA JANTAR, QUE VOCÊ ME LIGASSE, DISSESSE QUE ME AMA.
MAS NÃO SE PLANTA ESSE SENTIMENTO.

EU QUERIA QUE VOCÊ ME OLHASSE COM DESEJO.
NÃO QUERO SER SOMENTE UMA GOSTOSA, UMA DELÍCIA, UM FOGO.

QUERO SER EU E VOCÊ, VOCÊ E EU E TODOS NÓS JUNTOS. 

09 março 2014

A Mulher Encantadora

- Respeitável Público! - começou dizendo, com sua voz vibrante e rouca. Ajustou a capa, mantendo os olhos fixos na platéia em silêncio.
- Apresento-lhes a mulher mais encantadora do mundo! - O Mágico transpassou a capa pelo vazio ao seu lado, mas sob o soar dos tambores nada apareceu. 
- Não deixem que seus olhos os enganem, senhores, pois o encanto está no sentir - disse passando as mãos pelas coxas femininas que ninguém era capaz de enxergar. 
- O sentir - continuou - este sim é que mais importa. – Num movimento solene o mágico abocanhou a coxa, após deslizar mais uma vez os dedos sobre ela. Levantou o rosto vagarosamente em direção a platéia, buscando os olhares desconfiados de todos. Por seus lábios, antes pálidos, agora escorria sangue e devagar ele mastigava um pedaço da carne. 
- A mulher encantadora precisa de cicatrizes - disse a voz reverberante – mesmo que ninguém possa enxergá-las - O público arregalou os olhos, mas mostrou-se visivelmente desacreditado do poder daquele homem. Era apenas um truque qualquer, diziam os burburinhos. O Mágico não se deixou abater, e pelas mãos fez sugir uma navalha diante do público agora atento. Aproximou-se do pescoço imaginário, cortando-lhe uma pequena fatia. Escorria sangue no ar e a platéia aos poucos delirava ao ver as mãos mágicas manchadas daquele líquido escarlate.
Encantador? Não? - Disse pausadamente encarando cada um que o assistia - Encantador...
Aos poucos as pessoas tornavam-se serpentes seguidoras de uma de uma flauta, os olhos vidrados em cada gesto do Mágico.
- Quero ver o rosto encantado - Pediu uma voz da platéia. - Quero vê-la!
O Mágico pausadamente lambeu o sangue das mãos,
- Antes mesmo de vê-la é preciso senti-la. – Advertiu.
As mãos dele percorriam um caminho pelo ar. Assim, surgiram os primeiros traços dos olhos femininos levemente puxados. Sua boca rubra apareceu, em seguida e a pele apresentou-se da cor e tonalidade ideal para qualquer visão. 
O Mágico percorreu o palco, rodeou-a fazendo seu corpo surgir aos poucos. 
- Encantadora você é... - sussurrou o mágico ao ouvido dela, enquanto conduzia seu corpo e os olhos da platéia ao centro do palco. 
Os do público estavam atônitos, incapazes de compreender porque não conseguiam desviarem-se daquela figura serena. Aos poucos o Mágico também parecia encantado, deslizando as mãos incansavelmente pelo rosto feminino.
As luzes, porém, apagaram-se. Apenas um feixe iluminava ambos no palco. O mágico abraçou-a por trás carinhosamente. Com a navalha abriu-lhe o peito delicado e tirou-lhe o coração ainda pulsante diante da platéia agora aterrorizada.
- Não há magia alguma. - disse cortando um pedaço do órgão e guardando em sua cartola. – Assim como não há encanto que dure para sempre.  
Com um olhar sereno o Mágico fitou novamente a platéia, estava desorientado, porém firme. Devagar ele retornou à mulher, deslizou as mãos sobre seu corpo desacordado, repôs o restante do coração no peito. Seus olhos fundos estavam marejados e com a boca seca ele abaixou-se e beijou-a na testa. 
Cordialmente, levantou-se reverenciou o público, ajustou a cartola e num ensaiado movimento da capa sumiu, fazendo-se desaparecer.

13/11/2009, sexta feira.