05 setembro 2011

Segredos


Carlos caía e um certo desespero tomou conta dele como um todo. Os olhos esbugalharam-se, o ar faltou e não havia mais o que fazer. Um tranco, de repente o barulho. Carlos abriu os olhos e viu-se caído no chão abraçado ao travesseiro, tremia. Levantou-se assustado, pudera, um pesadelo daqueles se repetindo tantas noites. Foi ao espelho, escovou os dentes, lavou o rosto, ajeitou os cabelos com o pente e com a mão esquerda, colocou as lentes de contato, limpas e bem guardas com duas gotas de soro fisiológico em caixinhas de cores distintas. Desligou o despertador que ainda guardava cinco minutos antes de tocar.
Carlos estava sozinho em casa, para sua paz, a mãe saíra cedo para trabalhar. Comeu duas habituais torradas e um copo de iogurte com fruta da estação.
Estou novo, pensou consigo abrindo um sorriso bobo daqueles que ainda tem alguma esperança na alma. Saiu no horário de sempre, nem um minuto a mais, nem a menos. Voltou para casa na hora correta, sem atrasos, sem preocupações.
Carlos era organizado, o filho bonzinho, desses que toda a mãe sonha em ter. Boas notas, cuidadoso, boa aprência, dava a atenção específica e correta para tudo. Não reagia às broncas, sempre apartava brigas. Era fechado, quieto, às vezes parecia infeliz embora sempre fosse esperançoso. A vida tinha que ser certa, não só a sua, mas a de todos. Desejava a esposa direita, para casar, para ser nos costumes.
Carlos não gostava muito de sair, preferia sua casa, seu canto, mas naquela noite a idéia da festa pareceu boa quando os colegas insistiram para que ele fosse. Passou um perfume que ganhara de alguém, saiu animado e arrumado.
Lá não dançou, não gostava e não sabia. Ficou sentado, curtindo sozinho enquanto os colegas ficavam na pista. Este não é meu mundo, não é para mim, pensava enquanto balançava no rítmico de lá para cá. A música ficou mais alta, barulho, baderna, e Carlos o contraste; sentado no seu balanço mole; o som ensurdecedor, e Carlos quietinho.
Frango, moça, estranho, nerd, bizarro. Estava acostumado a ouvir tudo isso, mas naquela noite sentiu-se à vontade, mesmo olhando perdido para toda aquela gente e ainda perguntando-se o que fazia por ali.
Algumas vozes embriagadas chegaram a atormentá-lo mas ele só se abalou quando uma delas falou mais alto que as outras. Carlos apenas levantou, não respondeu e saiu, cedeu seu lugar e deixou sobre a mesa o resto do suco que bebia. 
Mas o provocador debochou, deixou que o suco se derramasse na roupa de Carlos e sugeriu que aproveitasse a viagem ao bar e já comprasse duas bebidas.
Assustado com tudo aquilo e todo atrapalhado, Carlos dirigiu-se ao bar para providenciar o pedido. Acabou trazendo uma batida de qualquer coisa com uma tal de Vodka da primeira marca que tinha para escolher. Foi agradecido com um empurrão e um cortês tapa nas costas. Saiu sorrindo amarelo, escondendo-se pelos corredores de pessoas e música alta.
Os olhos remexeram-se nas pálperas, caia novamente, espasmos pelo corpo todo, uma sensação horrível. Carlos despencava, outra vez o mesmo pesadelo, outra vez o arrepio pela espinha. Antes que chegasse ao chão tocou o despertador; um novo dia. Carlos levantou-se, lavou o rosto com um jato de água, esfregou bem os olhos, fitou por alguns segundos sua figura no espelho e pôs as lentes de contato.
Apanhou o jornal entregue naquela mesma manhã sentou-se para tomar café. Entre uma colherada e outra no iogurte, virava as páginas, procurava pelos cadernos.
Seus olhos passearam pelas notícias até que finalmente fixaram-se numma manchete. Ele parou por alguns instantes e leu-a cautelosamente em voz alta: “Esta noite morre jovem morre hospitalizado com suspeita de envenenamento em boate”. Carlos abriu um sorriso doce e bobo, daqueles que ainda tem alguma esperança na alma, sentindo-se leve e renovado como numa manhã qualquer.

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