14 julho 2011

O acidente

O trem partiu devagar, trilhando aos solavancos, como todos os dias. Aumentou vagarozamente a velocidade e de repente bateu. Bateu também a cebeça, a mulher quase voou pela janela e foi levada às pressas para o hospital. Que trajédia, que horror!
O SAMU sequer havia resgatado todas as vítimas e o partido da oposição já estava de manifestação marcada, reafirmando as verdades de sempre: "Esses trens velhos e superlotados. Essa passagem é cara. Esses políticos roubam mais do que a gente. Isso não é justo!"
As ainda vítimas continuavam presas no trem, mas o jornal do Blasfema entrou no ar, anunciando os possíveis dois mil feridos. Falou também da mulher voadora, cuja cabeça, o encéfalo, o crânio e ainda a região cefálica foram todos atingidos, multilados,  massacrados, num ato de carnificina e irresponsabillidade social.
Já a Compania Promíscula de Trens Metropolitanos emitiu uma nota dizendo que está apurando as causas do acidente. Afirmou ainda que houve apenas alguns feridos levemente. 
O partido governista, por sua vez, preferiu não dar declarações até que sejam apuradas as reais causas do acidente, mas num pronunciamento ao vivo no horário nobre da TV o governador colocou a público que amanhnã mesmo será inaugurada a nova estação faraônica de metrô ao lado do rio Lixeiros, convidando a toda a população de alta renda para a cerimônia de abertura. 
Eu, contudo, não tenho nada a dizer, pois ainda estou aqui, na estação Barra Imunda, me apertando há dez minutos para subir a escada, depois de sair de um trem ordinário, no qual ninguém voou ou bateu a caebça.

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