26 setembro 2011

Brindemos

- Brindemos! - disse alto o velho louco. O bar todo virou-se para ele, pronto a reptrimí-lo. - Brindemos às nossas angústias, aos rostos perplexos a cada sentimento remoído. Ao meu, ao teu, brindemos! - Bebeu um gole e apenas dois ou três jovens fanfarrãos acompanharam-no em tom de brincadeira.

O velho sentou-se novamente, serviu-se doutra dose de conhaque e ficou por mais aquela noite sozinho, observando cada moça que lhe olhava feio, cada jovem que lhe dava trela afim de colher um par de risadas.
Nem sempre fora assim: velho, caquétipo, louco. Houvera outros dias, quando o velho Brandy ainda tinha 23 ou 25 anos. Costumava sair sozinho. Eram outros tempos, sentava-se às mesas e antes de pedir sua própria dose, ele costumava servir uma bela dama. Brandy não era exatamente seletivo, bastava-lhe um par de pernas e uma cintura mais fina que a sua própria.
- Brindemos - dizia ele à jovem ainda sentada na outra mesa. Nem sempre elas brindavam, mas Brandy era experiente e sabia ler nos olhos delas o interesse. Aproximava-se apenas quando tinha certeza e controle.
Brandy tinha 23 ou 25 anos. Saíra de casa preparado para a noite fria. Ventava mais do que de costume para maio e mesmo o casado e cachecol pesados permitiam ao frio transpassar os ossos. Chegou ao bar tremendo, as largas orellhas congelando por baixo da touca. Acomodou-se próximo ao balcão vazio.
- Schoth, por favor - O garçom lhe serviu na verdade conhaque e sinalizou uma mesa ao fundo. A jovem sentada nela ofereceu-lhe um brinde e Brandy, visivelmente desconcertado brindou com ela.
- Quem é a moça? - Cochichou ao garçom.
- Ela pediu que o senhor mesmo fosse perguntar. - Brandy olhou para baixo, pensou alguns segundos. Normalmente sexo fácil ou é pago ou perigoso, pensou consigo antes de dar os primeiros passos em direção à mesa. Deu um gole largo no conhaque e fez cara feia. Conhaque não era seu preferido, também não gostava do jogo da incerteza...
- ...de poder não estar no comando - Sussurrou-lhe ao ouvido a voz feminina. Quando Brandy se deu conta ela estava ao lado dele, sentada no balcão e sorrindo maliciosamente. Por alguns segundos Brandy mediu-a mudo.
- Não é a melhor forma, esta, de conversar com alguém. - Disse ela encarando o jovem Brandy ainda mudo.
- Saiba apenas que não sou nada do que você já pensou sobre mim - Ali, ela arrancara um sorrisinho de Brandy, que deu mais um gole no conhaque e fez cara feia.
- Eu prefiro Wishky - disse ele - ainda mais nesses dias frios. - Desta vez foi ela quem sorriu, mostrando os dentes alvos e levemente tortos na frente.
- Com o tempo, conhaque se tornará seu preferido. - A conversa se alargou até as mesas serem limpas e empilhadas. Brandy falou pouco e antes de terminar o último gole sentou-se ao lado dela na sarjeta. Os olhos levemente caídos derramaram-se no ombro dela.
- Eu posso ir pra casa, só ou acompanhado. - disse ele numa voz tão arrastada que custou a completar a frase.
- Quem anda pelas ruas, casa não tem - Cantaroulou ela.
- Casa não tem, não senhor - Brandy completou gargalhando.
A rua estava escura e os garçons já tinham ido embora há muito pela saída dos fundos.
- A solidão que persegue, aquela mesma do amor.- Continuaram a melodia
- Sem cor a gente envelhece, foi solidão que ficou...

Brandy acordou em casa, a cabeça ardendo, a roupa limpa dependurada sobre a cama, o silêncio. Serviu-se de um Schoot pra arejar a mente e nunca lhe parecera tão forte e amargo. Observou se havia vestígios de sexo ou roubo e ficou aliviado ao encontrar a carteira e ler o bilhetinho preso a ela.
Sob o silêncio tomou banho, fez a barba aprontou-se para outra noite, desta vez no mesmo bar.
Brandy caminhou na noite fria, sentiu outra vez o vento forte, bebeu outra dose de wiski mas preferiu conhaque. Voltou pra casa solitário e sóbrio. Brandy se perdeu por entre as ruas, rodou só por entre as noites, voltou sempre ao mesmo bar.
Talvez tivesse 23 ou 25 anos. Sentou-se no balcão e resmungou qualquer coisa. Serviram-lhe conhaque. 
Bebeu a dose devagar, sob a penumbra, e quando as mãos trêmulas permitiram, abriu a carteira. Os dedos grossos, as atiuculaçôes rijas, a pele carcumida, as olheiras fundas, os olhos brancos. Desdobrou o amarelado papel escrito à mão, observou-o por alguns segundos. Serviu-se novamente do conhaque até o copo transbordar, levantou-se, saldou a todos e disse:
- Brindemos! Ao meu ao teu. Às nossas angústias, a cada sentimento aniquilado, brindemos!

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