02 dezembro 2014

Aniversariei

Aniversariei, e de repente, estou quase aos 30.

Aniversariei vendo as fotos daqueles que um dia foram tão próximos e agora são rosto na rede social. E aniversariei encontrando rostos de rede social e em conversas, em risadas, amigos novos.

Aniversariei sorrindo, pensando como é bom não ter mais 18 nem estar tão próxima dos 40.

Aniversariei leve, de batom vermelho, que agora me cai melhor que alguns anos atrás. Contudo, aniversariei também com 4 monstruosos quilos a mais, com 40 projetos a mais, com 400 ambições a caminho.

De repente, olha só, meus amigos tem filhos planejados, minha faculdade ficou há anos luz e ao passar na frente de um colégio qualquer sou tia, professora, não mais estudante.
De repente, veja, abri os olhos e aniversariei! E se envelhecer for sempre assim, que venha: os batons, as bases, os cremes anti-idade e claro, as (malditas) rugas. 

23 outubro 2014

Xenofobia

Hoje o nordestino que volta pro Nordeste. Volta porque pode, porque dá.

Surpreende a mim, de verdade, esse monte de paulistas, filhos de italianos, espanhóis, alemães, japoneses, cujos avós, assim como os meus, fugiram desesperados da fome e da guerra na Europa tentando a sorte aqui no Brasil. 

Surpreende porque seus ancestrais vieram em busca de esperança, de trabalho, assim como os nordestinos o fazem, assim como outra parte dos meus avós fizeram. 

E assim como alguns imigrantes puderam, agora os nordestinos voltam. Voltam porque também há trabalho por lá, porque há esperança. 
Finalmente matam a saudade que sempre esteve no peito, no sotaque, na canção. Matam-na como não pôde matar D. Paquita, vizinha minha que mesmo após 70 anos de São Paulo nunca perdeu o espanhol carregado nas palavras.
Afinal, mudar é bom, faz bem, mas é bom mesmo é quando a gente deixa a nossa terra porque quer, quando a gente pode decidir se vai pra Manaus ou pra Miami porque o dinheiro dá, porque a gente deseja. Porém, quando é o medo, a sede e a violência quem determinam a partida, meu amigo, tenho certeza que você se mudaria também. 



25 setembro 2014

O Príncipe Encantado

Você precisa acordar, abrir os olhos, perceber. Não adianta dizer, falar, mostrar, nada. 
É você, só você, cujos olhos cegos, precisa enxergar.
A gente repete os erros, repete sim. A gente se fixa, se forja, deixa acontecer.
E pensar que você anda tão perto e tão longe. Tão distante que nem me lembro mais quando foi nossa última conversa, afago, intimidade.

Aos poucos você vai-se embora, aqui do lado, sem parecer ter ido. Como se eu não conhecesse seus passos, como se sua voz fosse dita não por você, como se suas ações, seus sorrisos, seus costumes... 
E esses olhos estão calmos, estão longe, estão estáticos, parecem medrosos. Justo você que nunca teve medo, cujo medo sempre enfrentou.

Você precisa abrir os olhos, e acordar desse encanto que não te deixa ser aquilo que fora. Ou talvez aquilo que fora te doa, te marque, e por isso você abandonou, fugiu, deixou como se não fizesse parte de você. E eu acobertei.
Deve ser bom, imagino, afinal, qual será o sabor desse encanto? Qual será o gosto dessa calmaria? Será por isso que você escolheu a cegueira? Este é o motivo dessa venda? Diz pra mim, quem é você hoje, afinal? 

26 agosto 2014

Soberba

Veja bem, querida, que fala de aceitação, de tentativas, de amizades, de amor. 
Para mim, o nome disso é falsidade, é soberba, é manipulação. 

Não, me desculpe, eu não respeito sua suposta crença, assim como você não respeita a minha. Então estejamos acertadas. 
Eu não respeito a sua maneira de ver o mundo, porque para mim ela é preconceituosa. Para mim ela e retrógrada, pra mim ele é tola. 

Não, não falo de fé. Não falo de Jesus, de Ala, de Tupã de quem quer que seja. Falo dessa hipocrisia de falar de respeito, de deus e no final das contas estar de cabeça feita, de não ter opinião. 

Você finge, sei bem, e leva as pessoas sorrindo - talvez nunca mais voltem - com essa cara de anjo, com esse jeito de certa. Mas, talvez por te confontar, você me deteste. Por ver eu não te engolir você me esnobe e por não te concordar você delicadamente me tire da frente. 

08 agosto 2014

Apagar

Ela, assim como eu, nunca gostou da casa escura. Sempre havia o sol, uma luminária, um brilho, uma bobagem.
Costumava também gostar de moda, da costura fina, do convívio, das amizades. 
Ela, assim como eu, um dia fora bela, um dia fora jovem, um dia fora crível.
Mas hoje,  assim como eu, é como as luzes da sala apagada, cujo rosto iluminado pela televisão se lamenta do tempo que se foi. 
As lembranças se embaralham, a memória se desmembra e ela, assim como eu, envelheceu, enrugueceu e assim, sem a luz do sol, se desfaz, apagando-se com a luz da televisão. 
 

05 julho 2014

O Jardim das Onze Horas

Aquele jardim era o jardim da minha infância. Ficava bem de frente à casa pequena de terreno grande, e se estendia por uma área que todo o corretor de imóveis dizia ser perfeita para uma piscina. 

Ali ela plantava onze horas, uma flor miúda que abre somente perto do almoço, no sol quente, e depois se fecha. Faz os mesmo à noite, pontualmente às onze. 
Era, sem dúvida, o jardim mais bonito de uma rua cheia deles, no tempo em que as roseiras com facilidade cresciam mais que os muros baixos.

Mas aos poucos, conforme os dias correram, as onze horas se despetalaram, assim como todo o jardim. As mãos outrora jovens que delas cuidavam, estão cada vez mais cansadas, mais esquecidas, e dormem para passar o tempo que demora a passar. 
Mãos essas cuja dona esqueceu seu nome, quem foi um dia, quem um dia ela desejou ser. 

Das onze horas não restam nem rastros, nem mudas e no jardim que no futuro será piscina, se propaga um mato seco e cada vez mais alto, quase pronto para invadir a casa, igualmente deslocada na rua cheia de prédios.

Triste ver que a dona se desmancha na medida que o mato cresce, triste saber que nunca mais haverá onze horas, rosas, hortênsias, nem nada. Se desmancha o jardim como se desfaz sua memória. Porque na verdade assim é, todos as lembranças se desmancham, sempre é. Porque a memória desmonta, e nos faz ir embora, antes até mesmo de termos ido. 

29 junho 2014

Eu nos vejo, mas não consigo compreender, como essa lembranças se marcam, se ficam e se apagam.


Se é noite, perco o sono. Perco também a inspiração, a vontade e o carisma, mas nunca esse medo que me persegue. Também não deixo de sonhar que você me atira pelas costas e que eu, mesmo ferida, me levanto e te dou um merecido soco na cara, quebrando um dos ossos das mãos.
Mas não acordo assustada nem aos solavancos, acordo tão calma quanto fria, quase num sorriso de angústia.


E pensar que houve um dia que quase cuspi na nossa cara, mas o catarro não veio, a vontade não permitiu, a garganta não coçou o suficiente. Afinal, a quem ofenderia mais esse gesto?


Talvez a raiva que se cultiva, se eu a jogasse, tudo fora... jogaria também o medo, a preguiça, a procastinação? Jogaria também a máscara que me nasceram na cara e que persisto em usar?
Se eu ligasse menos, se eu bebesse mais, se eu pensasse..


Afinal, que escondem esses olhos tão belos, qual é o gesto, a forma, a melancolia, se não aquela que te pertence, que te tira o sono, que te faz dormir.

16 maio 2014

Desandanças

Ando, veja bem, desandada.


E a vida está boa, as prestações estão em dia, o sonho da casa própria está ali, para ser entregue pontualmente ao mês que vem. 
Mas tem algo que soa errado, que está errado. 

E não falo do assalto que sofri na semana passada, nem do imposto que me arrancou as calças, nem das injustiças, dos atrasos, nem de nada disso. 
Na verdade todas essas coisas já estavam ali, e sempre estiveram enquanto meu caminhar era certo e eu andava. 

Mas acontece que sem mais desandei. É como se somente a cama me bastasse, mas não basta. Como se a comida me satisfizesse, mas não satisfaz. Como se o carro novo me fizesse bem, mas não. 
Como se sem porque eu pudesse esticar, alcançar mas não alcanço. 

Porque de repente perdi o passo, desandei.  

20 abril 2014

Amargura


Uma dia, talvez, sei lá quando, a gente volte a se falar e mundo volte a ser da cor das rosas. 

Pois a que levou essa tola briga, se não a uma mágoa tão e tão grande que me faz perder horas pensando? Que me fez senão dar pesadelos, me tirar do sério. 

De repente não sei o que me faz não rir, mas não rio. E quando vejo acordo em espasmos, tensa, como se me visse ali, no futuro, amargurada. 

Será que me é reservado? Amargurar-se e não rir-se? Como será que pode ser a vida se ela no leva a saúde e nos deixa a birra?

Talvez ela, a idade, um dia traga junto com a velhice, a vontade de reconciliar- ou pelo menos de conversar e pronto. Afinal, não te proponho um brinde, apenas uma conversa que não termine em gritos, uma mágoa que não nos despenque e nos carregue. 

Porque neste futuro de amarguras não tenho certeza do peso que me pesa, não sei dizer onde cabe a mesquinharia e por isso, e talvez, um dia, sei lá quando, o peso passe e a gente vá, esqueça, se deixe ir.



Não sei o autor da foto

14 abril 2014

O Julgamento da Alma

Não me julgue pelas fotos, pelo escrito, pelo status, deixa eu te dizer. 


Se a alma dói, dói lá dentro e nem sempre - quase nunca - o mundo precisa saber. 

Você olha meu sorriso e acha que me conhece, você ouve minha voz e acha que entende meu olhar. 

Não me julgue, nem tente, nem queira, nem pense, nem interprete. 

Talvez se for pra você eu diga, talvez.  

Deixa estar, deixa ir, pois a alma ferida é lá dentro e ninguém precisa estar lá, se não eu, ninguém precisa saber.
E a alma, mesmo amarga pode sim sorrir. Assim como a alma cansada, preocupada e fatigada sempre pode se reerguer. 

10 abril 2014

Sociedade

Joguei, joguei mesmo na tua cara o meu sucesso, não me importo.
Ele me disse sem dizer. Estava nos seus olhos tão verdes e calmos quanto o mar de Alagoas. 
O nome disso é mágoa, mágoa de sócios tão antigos que se engoliram depois de 10 anos de sucesso e 7 de amargura. 
Filho da puta, eu penso sempre que o vejo chegar naquele carro importado. Certo que é alienado, como o meu. Era pra ter sido diferente, era pra gente ser grande, maior imbatível. 
Dessa última vez a briga tinha sido feia, eu quase dei um soco na cara dele. A mão coçou, fechou, eu me contive, respirei fundo e coloquei aqueles anos todos na frente do meu ódio. 
- Você me roubou, seu bosta! - Eu disse. Ele não respondeu que sim, nem que não, nem sorriu. Apenas disse pra eu crescer, que desse jeito não dava mais, que estava acabado. 
Sócios, vinte anos de sociedade, de faculdade, de sonhos, tudo ao vento. Aquele cara acabou comigo, me pois no chão, disse as verdades engolidas por anos.


Desgraçado tava certo, sempre certo. Fui eu quem perdeu o trem, quem gastou a grana toda e não pensou sequer que poderia por um fio dar errado. 

08 abril 2014

De novo o tempo





Com o Tempo a gente desmonta, desfalece, desarma. 
E quem disse que o tempo agride? Talvez cure, perca, 
amadureça. 
Mas é certo, certo mesmo que corrói, desencanta, 
desanda, desfalece-nos. 
Quem mais se não o tempo; tempo este, tempo tudo;
por que apressa e demora a passar?

30 março 2014

Ironia


Que fique claro, desde já. Que eu não te detesto, porque não sei como você é fora daqui. Mas detesto essa tua ironia que te percorre, esse sadismo em humilhar e assoprar que sempre te deu prazer. 

Se você fez faculdade por esforço seu, se veio da favela, do gueto, não me importa. Ou você por acaso um dia já me perguntou minha história de vida antes de me jogar na cara que seu pai bebia?
E reconheço tua garra, teu esforço, tudo mais. Mas você não sabe nada sobre mim, querido, nunca saberá. 
Gente que destrata as pessoas é gente merda. Gente assim como você.
Então, queridão, pouco me importa se você ri pelas minhas costas, se de repente se acha tão superior. A mim importa que você suma, corra e me deixe em paz. Afinal, gente que bisbilhota e cutuca assim sem mais é gente merda. E gente que nem você, como eu, que dá indireta pela Internet por achar que assim, desta maneira, tá tudo bem. 

25 março 2014

O que somos?

Somos todos irmãos, órfãos, filhos de uma mesma realidade que já não nos pertence mais. 
Caímos noutro mundo, o mundo real, cheio de pequenos detalhes os quais não estávamos acostumados a encarar.   
É estranho perceber que de repente e sem mais a nostalgia nos cerca, todos nós, e que as nossas risadas se concentram num mundo que simplesmente não é mais nosso.

20 março 2014

Tempo de Mulher

Com o tempo a gente se perde, esquece que chorar faz bem, que a vida se vive por um fio, que não adianta bater a todo o momento de frente com o mundo. 
O tempo nos descasca, descama, desima, desarma, desmonta, desmancha.
Mas que tempo não cura, diga você?
Afinal, que te fez levantar da cama com essa cara de ontem e não lavar bem os olhos?

Que mal te fez guardar essa ramela ao redor das suas olheiras e infiar-se nesse uniforme pra ir estudar?
Com o tempo a gente se ajusta. Passa delineador, descobre o batom vermelho, descobre também que tem que trabalhar. 

Descobre porque nasce já no mundo do trabalho, percebe que é só o trabalho quem te trás independência. 
Mas em tempo eu digo. Independência é felicidade? Não importa. Afinal, independência é escolha, é livre arbítrio, é a saborosa dor de escolher.

Se viemos da costela de adão, da macaca, da bactéria, do sopro, da argila, não me importa. Se viemos das chamas, do pó, das nuvens, não sei. 

Importa que o tempo, esse sim nos permitiu não aceitarmos os maridos, os pais, os chefes. O tempo nos permitiu passar batom sem sermos chamada de puta, delinearmos os olhos quando temos vontade, usarmos salto alto enquanto permitirem os joelhos. E o tempo também nos permitiu a recusa.

Mas não nos enganemos, afinal qual recusa é fácil? Qual mudança é simples? Qual mundo é perfeito? 
Hoje, bem ou mal há escolhas, basta fortalecê-las e não deixar o tempo as engula novamente.

E eu, eu hoje removi as ramelas, passei delineador e no tom inexistente do meu batom pus uma calça comprida e fui trabalhar.  

12 março 2014

EU QUERIA QUE VOCÊ ME CONVIDASSE PRA JANTAR, QUE VOCÊ ME LIGASSE, DISSESSE QUE ME AMA.
MAS NÃO SE PLANTA ESSE SENTIMENTO.

EU QUERIA QUE VOCÊ ME OLHASSE COM DESEJO.
NÃO QUERO SER SOMENTE UMA GOSTOSA, UMA DELÍCIA, UM FOGO.

QUERO SER EU E VOCÊ, VOCÊ E EU E TODOS NÓS JUNTOS. 

09 março 2014

A Mulher Encantadora

- Respeitável Público! - começou dizendo, com sua voz vibrante e rouca. Ajustou a capa, mantendo os olhos fixos na platéia em silêncio.
- Apresento-lhes a mulher mais encantadora do mundo! - O Mágico transpassou a capa pelo vazio ao seu lado, mas sob o soar dos tambores nada apareceu. 
- Não deixem que seus olhos os enganem, senhores, pois o encanto está no sentir - disse passando as mãos pelas coxas femininas que ninguém era capaz de enxergar. 
- O sentir - continuou - este sim é que mais importa. – Num movimento solene o mágico abocanhou a coxa, após deslizar mais uma vez os dedos sobre ela. Levantou o rosto vagarosamente em direção a platéia, buscando os olhares desconfiados de todos. Por seus lábios, antes pálidos, agora escorria sangue e devagar ele mastigava um pedaço da carne. 
- A mulher encantadora precisa de cicatrizes - disse a voz reverberante – mesmo que ninguém possa enxergá-las - O público arregalou os olhos, mas mostrou-se visivelmente desacreditado do poder daquele homem. Era apenas um truque qualquer, diziam os burburinhos. O Mágico não se deixou abater, e pelas mãos fez sugir uma navalha diante do público agora atento. Aproximou-se do pescoço imaginário, cortando-lhe uma pequena fatia. Escorria sangue no ar e a platéia aos poucos delirava ao ver as mãos mágicas manchadas daquele líquido escarlate.
Encantador? Não? - Disse pausadamente encarando cada um que o assistia - Encantador...
Aos poucos as pessoas tornavam-se serpentes seguidoras de uma de uma flauta, os olhos vidrados em cada gesto do Mágico.
- Quero ver o rosto encantado - Pediu uma voz da platéia. - Quero vê-la!
O Mágico pausadamente lambeu o sangue das mãos,
- Antes mesmo de vê-la é preciso senti-la. – Advertiu.
As mãos dele percorriam um caminho pelo ar. Assim, surgiram os primeiros traços dos olhos femininos levemente puxados. Sua boca rubra apareceu, em seguida e a pele apresentou-se da cor e tonalidade ideal para qualquer visão. 
O Mágico percorreu o palco, rodeou-a fazendo seu corpo surgir aos poucos. 
- Encantadora você é... - sussurrou o mágico ao ouvido dela, enquanto conduzia seu corpo e os olhos da platéia ao centro do palco. 
Os do público estavam atônitos, incapazes de compreender porque não conseguiam desviarem-se daquela figura serena. Aos poucos o Mágico também parecia encantado, deslizando as mãos incansavelmente pelo rosto feminino.
As luzes, porém, apagaram-se. Apenas um feixe iluminava ambos no palco. O mágico abraçou-a por trás carinhosamente. Com a navalha abriu-lhe o peito delicado e tirou-lhe o coração ainda pulsante diante da platéia agora aterrorizada.
- Não há magia alguma. - disse cortando um pedaço do órgão e guardando em sua cartola. – Assim como não há encanto que dure para sempre.  
Com um olhar sereno o Mágico fitou novamente a platéia, estava desorientado, porém firme. Devagar ele retornou à mulher, deslizou as mãos sobre seu corpo desacordado, repôs o restante do coração no peito. Seus olhos fundos estavam marejados e com a boca seca ele abaixou-se e beijou-a na testa. 
Cordialmente, levantou-se reverenciou o público, ajustou a cartola e num ensaiado movimento da capa sumiu, fazendo-se desaparecer.

13/11/2009, sexta feira.

06 março 2014

Alex, Joaquim, quantos mais?

Quantos crimes por aí, cujos pais matam seus filhos? Quantas vezes mais? 
O motivo? 
Qual seria, além da crueldade? Talvez intensificada pela bebida, ou por outra droga, pela cólera, ou por outra droga? 
Nada justifica, nada, mas não seria ela, a droga que você também consome na balda, que não faz mal a ninguém, um intensificante? 
A coragem que falta, a paranóia que cresce, a raiva que multiplica?
Gente cruel, gente assim está por aí, sempre vai ter. Mas de onde vem o mais absurdo? Da certeza da impunidade? De onde vem o mais absurdo? Da omissão de mães igualmente desestruturadas? 
De onde você, absurdo, de onde vem? 

16 fevereiro 2014

Carta de amor

Anita,

Deixa eu te dizer, nós duas não podemos ser assim amantes, casadas, juntas, porque o amor não cabe aos iguais. Não seremos felizes, alternas, bem quistas. O que não significa que deixarei de te amar; te amarei a cada segundo, e quando estiver com ele casada, darei um jeito que conheças nosso filho. Serás madrinha, está prometido.
Entenda, por favor, que o futuro é nosso, mas que preciso casar-me, afinal, há honra, há família, há dinheiro. 
Mas amor, este só há contigo e talvez por isso serei uma boa esposa, darei um jeito de ser feliz. Que me importará se ele dormirá com outras depois? Em segredo dormirei contigo e ele nunca saberá. 
Que me importará se ele chegar tarde à noite, se me perder o desejo, se me deixar de lado. A mim importa tu, sempre será assim, ainda que hoje tu sintas que não. 
Mas prometa que continuarás a ser minha, que vais ser feliz, e que este amor em segredo não vai se deixar morrer por este meu casamento. Pensa e me responda, com uma rosa, um cravo, ou com o calor do teu perfume. 

Um beijo, da tua

Carla

13 fevereiro 2014

Te invejo em desprezo

  Veja só como é, justo eu, tão centrada, passo horas de frente ao teu perfil. Não que seja inveja - talvez seja - mas olho todas as suas fotos em todas as redes sociais. 
  Não, eu não preciso disso, mas há algo de sádico em te olhar e perceber que você tem alguns quilos a mais que eu, que seus pés de galinha se expandem enquanto os meus, perceba, mal aparecem. 
  Finjo que não, mas importo se você é mais bem sucedida que eu. Me importo se seu namorado te leva pra jantar no restaurante mais caro enquanto eu só como pizza e japonês da promoção. 
  E de repente, pulando de página em página, encontro aquele ex que me deixou, aquele pelo qual eu sofri. Ele está gordo - e rio - e careca - e debocho - e carente. Eu, veja só, continuo gostosa, sádica, impetuosa, comprometida. Mas de leve, de vez em quando, ainda assim, pulo pelas página da rede social. Invejo e desprezo você, ele, ela e quem mais eu puder. 

29 janeiro 2014

A mágoa que não cabe

Me despedacei, veja só, assim como uma flor mal quista. Me despedacei contida, aos prantos, exacerbada. 
Diz pra mim? Quanto teus olhos te frustram? Quão maior és tu neste mundo? Qual o tamanho da tua ética?
Des-caída, des-temida, des-medida. 
Choraste tanto porque a mágoa não te cabe no peito. Choraste porque o risco não te move na curva, porque a fome, a sede o fomento não te são suficientes. Choraste porque as promessas insanas não lhe cabiam nos braços.
- Olha pra mim, e para de chorar.
Afinal, nunca houve o que te fizesse cair sem dar um passo a frente. Quem será que te julga competente se não tu? 
Só cuida, cuida bem, para que o teu reflexo seja aquilo que és de verdade.  

13 janeiro 2014

Um filho

Silenciei, veja só, quando percebi que não havia palavra que lhe pudesse fazer sentido. 
- Aceita. - Ele me disse seco, mas não rude. E silenciei, como já disse, e não respondi aquilo que ele merecia ouvir. Dei as costas e deitei-me na cama, ocupando todo o espaço que fosse possível. Fiquei lá até anoitecer, até que ele viesse me buscar do transe. 
- Me deixa - resmunguei enquanto ele tocava com leveza meu ombro gelado. Ele insistiu, e senti sua mão negra e forte trazer para trás meus cabelos com delicadeza. 
- Você precisa reagir - fez uma pausa - pois ninguém pode fazer isso por você. Eu me virei, lentamente, encarei aqueles olhos escuros em silêncio. 
- O que você sabe sobre o que eu sinto? Sobre o que sente uma mãe? - Ele hesitou, vi raiva nele, mas respondeu com calma
- O que sabe você sobre o que sente um pai? - Eu me levantei num pulo, nauseada, jogando a mão dele pra longe. Fui ao lavabo e vomitei tudo o que poderia haver dentro de mim. Não havia sangue, mas desejei que houvesse. Manuel não me acompanhou ao banheiro, deixou que eu vomitasse, praguejasse, chorasse. 
Fiquei ainda um tempo no banheiro, sentada no piso frio contando os azulejos até que me veio a coragem. Apoiei as mãos no piso e levantei, joguei água no rosto, olhei a mim mesma no espelho e segui olhando. Era preciso. 
Caminhei de volta ao quarto e encontrei Manuel pousado em nossa cama, inerte e moribundo da maneira que o deixei. Percebi que os olhos pretos estavam rasos, quase vazios. 
- Aceita - eu disse quieta ao seu ouvido, quase num sussurro. Ele se virou para mim, me entreolhou e quase sorriu. Silenciamos juntos, abraçados mas distantes. Pois aquela dor, aquela dor irremediável era só minha e só dele. 
- Não contesta - dissemos - apenas reage, aceita.

03 janeiro 2014

Nossa amor de pijamas

A última vez que te vi, veja só, você não estava de pijamas, nem de terno, mas numa camiseta larga e calça jeans. Eu te encontrei por acaso, fumando um cigarro num momento contemplativo. 
Conversamos vagamente, e nos despedimos sem cerimônias. 
E pensar que eu te amava tanto, e agora mas sei por onde você anda. 
A minha vida, como a sua, seguiu; novos anos se passaram, nossas experiências se entrecruzaram pouco, nossos amigos em comum se desfizeram, aos poucos eu nem sei por onde anda seu rastro. 

Contudo, aquele cigarro que você fumava me fez ter vontade de voltar a fumar, só pra te beijar de novo. Mas achei aquilo uma bobagem. 
Quando lhe beijei o rosto pra dizer tchau, queria ter te beijado na boca, pra poder quem sabe sentir aquele amor que um dia senti. 
Só que a verdade é que você não tem mais espaço pra mim, e talvez eu não tenha espaço pra quem você é hoje. Porque nossa amor se esvaiu como a fumaça do cigarro, indo embora contemplativa na direção oposta do vento.