12 abril 2016

Carta a eles

Ilustração de Mariana Fakih
 Deixa eu te explicar uma coisa, meu amor. Não é porque sou bonita que sou burra. Porque sou gorda que não transo, porque sou gostosa que sou fútil. 
  A minha TPM não me torna mais louca que você, e se eu choro mais é porque a sociedade me permite, porque alivia e acalma; talvez você devesse tentar, sem culpa, sem medo ou vergonha. 
 Sinto muito se aprendi a dirigir, se trabalho numa multinacional, se gosto de usar decote e saia curta. Mas não é por isso que minhas pernas de fora te dão o direito de me chamar de tesão, de gostosa, de gatinha, isso não é legal, não te torna mais homem, entenda de uma vez.
  Eu falo palavrões quando desejo, chego em casa a hora que quero e escolhi fazer engenharia, medicina, direito, teatro, moda e nada disso é da sua conta. Eu não sou sua, não lhe pertenço, nem a você nem a ninguém. 
  De repente, se ganho equivalente ou até mais do que você - e se você se sente envergonhado ou intimidado - devo dizer que deveria sentir que isso é normal. Até mesmo porque é preciso ser muito macho pra aceitar que você e eu devemos ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, simples assim. 
E se hoje posso te escrever abertamente é porque me foi permitido o estudo, o voto, a liberdade, a palavra, a independência. Hoje posso escolher ser o que desejo, partir pra onde quero, escolher por mim mesma. E apesar do tom pesado, quero que seja leve, que nos demos as mãos e que você me (nos) acompanhe.
  Liberte-se também e chore e fragilize-se e permita-se. Siga melhor e quebre as supostas regras daquilo que é ser um homem à moda antiga.

24 março 2016

Carta aos primos

Sabe, eu tenho pena de você, apesar dos pesares. Pena mesmo. Afinal, os bons momentos de neta foram mais meus do que seus. Quando eu era criança, e todos eram saudáveis, você estava longe, distanciada daquilo que era tão bom: os jogos de cartas, as comidas saborosas, as conversas sobre o Baú da Casa Própria, as cambalhotas no colchonete que me fazia espirrar.


Você perdeu os aniversários cheios de gente, os Natais fartos, quando a gente não acreditava em Papai Noel mas acreditava que aquilo tudo era gostoso. Quando a gente esperava pela meia noite para ganhar um presente, um cartão, um beijo.

E depois de refletir muito sobre, depois que a ferida acalmou, consigo apenas pensar que sinto mesmo é pena. Porque ela está aí por uma disputa, que se transformou em ódio. Ela é uma peça que se mexe pra lá e pra cá, justificando o jogo amargurado.

Mas apesar de tudo, apesar de não achar certo ou justo, sei que ela sempre quis você por perto, que estava saudosa, que sua presença lhe faz bem. Espero que seja recíproco, que a presença dela faça bem a você, que você sinta o que é ter um colo por perto, uma história antiga a ser novamente e novamente e novamente contada. 

E eu espero, sinceramente, que você possa sentir parte do que senti. Que nunca precise se despedir abruptamente, que nunca precise de uma ordem judicial para visitá-la, que nunca precise por a si mesma diante do tiroteiro, que você possa se libertar e ser também feliz. 


26 janeiro 2016

Crônica da Vida Urbana

  A Vida não é fácil, ninguém disse que seria. As palavras ainda lhe martelavam a mente desde que acordara. Era o sonho que revivia todas as manhãs, enquanto trocava as marchas e comia um pacote de biscoito água e sal.
  Aos poucos o trânsito caminhava, tão lentamente que dava até desgosto. “Isso porque nem voltaram as aulas”, pensou consigo enquanto mastigava mais um pedaço da bolacha. 
  Enquanto o sinal abria e fechava sem fazer com que os carros se movessem, Paulo pegou o celular. Com o dedo indicador deslizou pelas fotos dos amigos de férias, sorrindo, passeando nas praias e pela neve. Suspirou. Acabara de voltar de férias, e não sabia quando seriam as próximas, se teria dinheiro para pagar as prestações do último resort superfaturado, se poderia ser por 30 dias o cara livre que fingia ser na rede social. 
  “Essa vida me engole” - disse passando a mão sobre o abdome e tentando abrir os botões do colarinho da polo "me deixa gordo, infeliz, feio, patético,  BUM!” Bum?! Paulo olhou para trás assustado. Era um carro, modelo antigo, que colidira com seu modelo do ano, cuja primeira prestação tinha acertado há menos de duas semanas. 
  “Filho da puta! Viado do caralho da porra! - O Homem que batera saiu do carrro, dizendo que não teve culpa, que não tinha seguro, que estava desempregado, que não estava nem aí, que não podia pagar. Paulo saiu dizendo que estava menos aí ainda, que queria que se fudesse, que ele ia pagar. O Homem sacou uma arma e Paulo sacou os punhos. O Homem tentou atirar mas Paulo se atirou em cima dele, e socou-o até que o sangue jorrasse em seu rosto e lhe acalmasse a alma. O Homem chegou a acertar o tiro de desesperado, raspou no braço de Paulo que apenas teve vontade de socá-lo ainda mais. 

  Ao redor, as pessoas saíram de seus carros e se esconderam onde puderam, como ratos urbanos. Ao centro, Paulo levantou-se ofegante e limpou o suor do rosto, agora manchado de sangue. Paulo sorriu, o caminho estava livre. Ufa! Mas antes de partir, sacou o celular, fez pose e tirou uma selfie. Postou com a seguinte frase. "A Vida não é fácil, ninguém disse que seria”.

20 janeiro 2016

Viajar é preciso!

Foto: Bruno Bondarenv
E deixa a gente mais jovem e menos a gente. Viajar e não querer voltar pra casa é a sensação de que por aqueles dias sua alma flutuou, se coração se desamarrou, sua pele recuperou alguns meses - ou anos.
Viajar porque o tempo é curto para tantas experiências. Viajar porque a cada caminhada que descobre uma nova rua, praia ou esquina a gente entende que nem tudo é igual, que a vida segue um passo em cada lugar, que a certeza pode se desfazer em uma nova cultura.
Viajar porque a saudade que fica dá espaço a um novo instante que está por vir. 
Viajar porque é necessário, porque é revigorante. 

Viajar simplesmente porque sim. 

27 outubro 2015

Ser Mulher

Ilustração por Mari Fakih
O primeiro assédio que lembro, na verdade foi na rua, com um grupo de amigas. A gente  devia ter uns 11 anos, treinava handebol, e saia de camiseta e shorts para pegar o ônibus. Entre fiu-fius e gracinhas a gente ia pra casa, de ônibus, a pé, como seria possível. 

Mas o mais escandaloso, ao meu ver, foi um professor de matemática que tentou sair comigo. Eu tinha 16 anos, estava no colégio, ele devia ter uns 40. Era até bonitão, malhado, um tipo OK,  mas lembro que fiquei enojada e confusa. Não saí com ele, mas não denunciei ou contei para ninguém. Apenas passei e evitá-lo. Talvez porque aos 16 a rua já tivesse me ensinado que eu era deliciosa, pernuda, bundão e que isso era "assim mesmo". Talvez porque também foi aos 16 que, enquanto eu corria, indo e voltando na avenida, um cara resolveu bater uma punheta e quando passei novamente por ele disse que era pra mim. Depois daquilo por anos minhas corridas tornaram-se restritas aos parques, com guardas e grades, onde me parecia mais seguro. 

Não me lembro a idade, mas já apertaram meu peito no amontoado do trem, depois daquilo aprendi a andar sempre encostada nas paredes do vagão, a andar de cara fechada na rua enquanto caminho sozinha, a tantas outras coisas. 

E isso não para, pois esses dias, quando fui pegar ônibus, havia um grupo de homens no ponto, talvez conscientes, legais, mas tive medo. Por isso esperei de longe, olhando para trás a cada segundo. Quando o ônibus chegou dei sinal de longe, e corri até o ponto, passando rapidamente por eles.
Pequenas "infrações sem sinal de violência" que toda a mulher passa. Que ao longo de anos me - nos - deixaram escolada. Afinal, começa quando a gente ouve fiu fiu a cada esquina; de shorts, de decote, de vestido longo, de calça, de burca. E na verdade a gente precisaria responder e chingar, e gritar, e denunciar; mas como, se a gente tem medo, se tem a certeza da impunidade? Medo porque somos assediadas por professores, por chefes, por motoristas de ônibus, por tantos lugares. Medo porque aprendemos que é "normal", que simplesmente é assim. 



Conheça mais do trabalho da Mari Fakih aqui: https://www.facebook.com/Fakih-Maa-280527268763501/

30 setembro 2015

Carta do Esquecimento

Aos filhos meus, que mesmo sem lembrar nunca esqueço,


Se te ofendo, filho meu, me desculpe, é que ando fora de mim. Minha cabeça, você sabe, já não anda bem e meus passos traiçoeiros caminham sobre pés fatigados. Você vem e me cuida desse jeito controlador, daí te ofendo e te boto pra fora. Mas a verdade é que quando você se enche e vai embora eu desarmo, desabo intensamente. 

Não pense que não sei o que se passa, eu sei, e por isso me angustia. Mas é me escapa tudo e birro e teimo e insisto.  O mal é que sei que não sei mais, e me vejo desaprender a tomar um gole d'agua, a escovar os dentes, a cuidar de mim. Eu quero - queria - estar livre novamente, mas não consigo, não posso mais.

Que sou eu, afinal, senão o rastro daquilo que está no retrato pendurado na parede? Quem sou esse eu que mal sabe onde está? 
As vezes na solidão choro, mas não quero que ninguém me veja, porque ainda quero parecer intensa. E se me maquio e me arrumo é porque não quero estar moribunda, embora esteja.
Me desculpa, meu filho, por de repente te dizer o que não merece. Me perdoa, minha filha, por te ofender pelo nada, por te prender a mim. 
Porque esse rastro que me resta não é aquela eu, mas por hora é só o que fica, até o momento que ele mesmo se perder e eu me for embora por inteira, antes mesmo de ir.

Por isso, sem lembrar bem porquê te agradeço e te peço perdão, ainda sabendo que serei bruta outra vez. 

04 agosto 2015

O Mundo dos Adultos


Eu era apenas uma criança passeando pelos adultos, nos tempos que as coisas me passavam despercebidas. 

Ainda dizem que por debaixo daqueles tacos lustrados havia uma lama tão espessa que grudava nos sapatos. 
Por isso hoje, quando vejo a casa ruir para virar condomínio de luxo, penso quantas mais na vizinhança eram assim, escondidas sob o cheiro de lavanda e cera, cujos  assoalhos eram lustrados semanalmente. 
As cortinas rendadas ajudavam a formar um degradê luminoso que vinha da cozinha e esfumaça até os quartos, escondidos na penumbra no fundo de um corredor.

Eu era apenas criança e brincava na sala quando os adultos resolviam me levar pra lá. Eles falavam trivialidades sob a luz da cozinha e fingiam gostar uns dos outros - e talvez até sem gostassem alguns. 
E os quartos que nunca entrei estavam abarrotados de mágoa, de mentiras, de fantasmas que se empilhavam sob os tapetes, debaixo das camas, dentro dos armários. 

Eu era apenas uma criança, que ficava na sala de fronte ao armário de brinquedos com os quais nunca se podia brincar. Eu era uma criança cujo nariz se irritava com o perfume da lavanda, com o odor de cera nos tacos, com a penumbra que levava aos quartos.  
Mas eu era apenas uma criança e precisava esperar que me pegassem pela mão e me levassem lá pra fora. E lá fora, havia mais e mais lama, talvez até mas espessa, mais suja, mais densa; porém era lama visível, não desapercebida sob os tacos de cera e perfume de lavanda. 

17 julho 2015

Você se tornou tão distante, é rastro, lembrança e quase parece passado; talvez seja. 

26 junho 2015

Fora dos Eixos

Nossa relação, veja bem, saiu dos eixos. Não lembro quando, como, mas lembro o porquê. Lembro que a gente discutia sobre a marca do café, sobre a cor das nossas camisetas. 
Mas a gente também foi muito feliz por um tempo, teve um filho, que cada um queria pôr numa escola, ensinar uma coisa. E esse filho é tão meigo, tão bom, tão nosso, que as vezes me faz olhar de novo pra você e pensar: será que a gente juntos ainda vai dar certo? Será que se a gente se juntar de novo nosso filho vai ser mais forte, mais feliz, mais brilhante?
Aí meu bem, aí eu lembro que o café de cevada que você gostava era ruim pro meu paladar, que meu jeito de bater um bolo não te agradava, que seu tempero pro almoço, que pra você estava uma delícia, me amargava a goela. 
Mas a gente era um bom casal, era o que todos diziam... e mesmo sabendo que juntos éramos promissores, que um dia fomos felizes, eu me acordo desse sonho todos os dias para lembrar porque a gente se separou; e fico sempre me martelando, me dizendo, pra não correr o risco de dar voltar contigo e novamente dar um passo atrás. 

10 junho 2015

Renata

Grafite por: Nina Pandolfo e Finók
Renata é reservada e bonita e sonhadora e não tem muitos amigos; por isso quando encontra alguém disposto a conversar, conversa. Conversa muito com o dono da loja de envelopes, com a atendente do mercadinho próximo a ela, com o cobrador do ônibus que costuma se o mesmo na hora que ela pega. 
E Renata sonha com o dia em que conversará sobre seu coração, sobre seus medos, dividirá seus sonhos. Afinal, ela é talentosa, mas guarda todo o seu talento escondido numa grande caixa de veludo no fundo de seu armário. Lá, também guarda papeis antigos, mensagens importantes, suspiros por amores que nunca viveu. 
Talvez se eu penteasse melhor esse cabelo, pensa consigo, talvez se eu tivesse alguns quilos a menos, se meus olhos azuis fossem mais azulados... talvez...
Mas na verdade, Renata re-vive num mundo de amores tão seus, que não consegue partilha-los, re-vê-se numa angústia tão solitária que não consegue enxergar a si, vive revivendo tão em silêncio que conversa comigo, contigo, conosco, com quem estiver disposto a conversar. 

15 maio 2015

Amanda cansou,


veja só, cansou de algo que já deveria ter cansado há tempos. Por que mesmo ela fora àquela festa de aniversário da amiga? Amiga dos amigos, que sequer fez questão de ligar no aniversário de Amanda? 
Por isso, naquele ano Amanda não foi ao aniversário dela, nem inventou desculpas nem nada, simplesmente não apareceu ou deu staisfações.
"Amanda, que modos", disseram quando ela contou isso numa rodada de cerveja, mas Amanda entre-sorriu e sem desconversar disse que tinha tentando deixar as cargas de lado e andar ao seu rumo. Disse estar decidia a deixar, deixar e deixar.
Por isso, devagar Amanda desistiu das pessoas que desistiram dela, e isso a fez ir mais longe. Afinal, Amanda é assim, quanto mais cansada está, mais caminha pra chegar lá.

08 abril 2015

Há não tanto tempo



Há algum tempo, que ironia, os tempos eram outros. Conversávamos, ainda que não fôssemos próximos. Mas o tempo fez com que as angústias se acumulassem, fez o ódio se alocar e as vozes se calarem. 

Me lembro do silêncio de meu avô, magro, alcoólatra, outrora falador e simpático.  Me lembro ainda que de tempos em tempos ele sorria, costumava, mas se perdeu, mesmo na sobriedade. Era um velho triste que entre um gole e outro se calava. Morreu mudo, e podia falar. 
O tempo, que ironia, lavou as lembranças e trouxe os traumas. A sujeira, abarrotada sobre o tapete transbordou. Aquela mágoa de repente era ódio. E aquele ódio novamente tornou-se silêncio, impondo-se e alojando-se nas almas de seus filhos. 

Às vezes, veja só, estou eu, cultivando também parte dessa mágoa, pensando em acertar a cara de alguém, arquitetando uma vingança imaginária. 
Bobagem, não vale.  
Não vale carregar, e me convenço para que não me consuma.  Não quero que me leve como os levou. Afinal, há algum tempo, não tanto tempo assim, conversávamos. Mas isso, isso foram outros tempos. 

4/2/2105

23 fevereiro 2015

Estar Só

Eu só quero ficar só, comer bobagens de frente à teve enquanto vejo uma programação fútil. 
Me deixa, porque estou bem, apenas preciso ouvir CPM 22 e reclamar de quão ruim é. Ou talvez eu precise comer um saco de Lays e depois me arrepender porque tem 20 milhões de calorias e me sinto gorda. 
Preciso descarregar meu mau humor, minhas angústias, tudo isso aí, mas em silêncio, só, pra não descarregar no mundo. 
E se hoje eu não lhe sorrio, não liga, não é contigo, se hoje não lhe falo, esqueça, eu só preciso ficar só.

20 fevereiro 2015

Desejo Noturno

Mariano trabalhou o dia todo, tomou a última cerveja da geladeira e viu TV até que os olhos pesassem. 
Dormiu no sofá e acordou de madrugada, melado e com torcicolo. 
Não se lembrava do rosto dela no sonho, apenas dos seus peitos gigantescos e do desejo tão intenso de matá-la que achou prudente não lembrar-se de quem era.  

29 janeiro 2015

O amor que se enrola

Como posso, ou devo dizer, pude eu, dizer que eu amo você? Você é assim tão complexo e tão distante. Um certo eu ausente, sempre foi. 
E eu? Veja só, eu sempre tentei me arrastar para você, e você sempre fingiu arrastado de mim, mas olhando pra mim, aproximado de mim.  
Como pôde você? Como pude eu te perseguir em silêncio? Se era eu quem plantava a semente de nós? Esse eu tão distante que sou eu, enrolada numa bolha de mentiras minhas que me levavam até mim mesma, que me deixaram fingir acreditar naquilo que você contava, que eu sabia que você mentia.
 
E eu, Como pude eu achar que amava você, se não amava sequer a mim mesma?

05 janeiro 2015

Altamira do Cerrado

Do sol, da areia, da água das dunas. Nelas surgem os olhos tão intensos que se escondem na aurora. 
É sob as dunas, antes do Sol Nascer que nasce Altamira, um mulher de pele bulgre, olhos castanhos, queixo fino e pele ardente. 
Dizem que Altamira flutua, tão intensa quanto o vento que molda as dunas nos meses de maio. 
É bela, tão bela que hipnotiza. Nas mesmas noites de maio que vem o vento, vem Altamira atrás de jovens apaixonados, hipnotizados por seu corpo que arde laranja.
É ela, Altamira, vista apenas antes da aurora. Canta, e sob a forma de pássaro torna-se mulher para o viajante que a chama. Pousa primeiro os ombros, depois nas costas, por fim enlouquece-o até que venha a hora. 
É ela, cujas mãos suaves percorrem vivas até a aurora. É ela, cujos viajantes procuram pelas histórias. É ela que quando os primeiros raios de sol despontam, encerra e esvai deixando inertes seus homens. Homens esses que sempre voltam para tentar encontrá-la novamente, mas ela não se repete, nunca vem.

02 dezembro 2014

Aniversariei

Aniversariei, e de repente, estou quase aos 30.

Aniversariei vendo as fotos daqueles que um dia foram tão próximos e agora são rosto na rede social. E aniversariei encontrando rostos de rede social e em conversas, em risadas, amigos novos.

Aniversariei sorrindo, pensando como é bom não ter mais 18 nem estar tão próxima dos 40.

Aniversariei leve, de batom vermelho, que agora me cai melhor que alguns anos atrás. Contudo, aniversariei também com 4 monstruosos quilos a mais, com 40 projetos a mais, com 400 ambições a caminho.

De repente, olha só, meus amigos tem filhos planejados, minha faculdade ficou há anos luz e ao passar na frente de um colégio qualquer sou tia, professora, não mais estudante.
De repente, veja, abri os olhos e aniversariei! E se envelhecer for sempre assim, que venha: os batons, as bases, os cremes anti-idade e claro, as (malditas) rugas. 

23 outubro 2014

Xenofobia

Hoje o nordestino que volta pro Nordeste. Volta porque pode, porque dá.

Surpreende a mim, de verdade, esse monte de paulistas, filhos de italianos, espanhóis, alemães, japoneses, cujos avós, assim como os meus, fugiram desesperados da fome e da guerra na Europa tentando a sorte aqui no Brasil. 

Surpreende porque seus ancestrais vieram em busca de esperança, de trabalho, assim como os nordestinos o fazem, assim como outra parte dos meus avós fizeram. 

E assim como alguns imigrantes puderam, agora os nordestinos voltam. Voltam porque também há trabalho por lá, porque há esperança. 
Finalmente matam a saudade que sempre esteve no peito, no sotaque, na canção. Matam-na como não pôde matar D. Paquita, vizinha minha que mesmo após 70 anos de São Paulo nunca perdeu o espanhol carregado nas palavras.
Afinal, mudar é bom, faz bem, mas é bom mesmo é quando a gente deixa a nossa terra porque quer, quando a gente pode decidir se vai pra Manaus ou pra Miami porque o dinheiro dá, porque a gente deseja. Porém, quando é o medo, a sede e a violência quem determinam a partida, meu amigo, tenho certeza que você se mudaria também. 



25 setembro 2014

O Príncipe Encantado

Você precisa acordar, abrir os olhos, perceber. Não adianta dizer, falar, mostrar, nada. 
É você, só você, cujos olhos cegos, precisa enxergar.
A gente repete os erros, repete sim. A gente se fixa, se forja, deixa acontecer.
E pensar que você anda tão perto e tão longe. Tão distante que nem me lembro mais quando foi nossa última conversa, afago, intimidade.

Aos poucos você vai-se embora, aqui do lado, sem parecer ter ido. Como se eu não conhecesse seus passos, como se sua voz fosse dita não por você, como se suas ações, seus sorrisos, seus costumes... 
E esses olhos estão calmos, estão longe, estão estáticos, parecem medrosos. Justo você que nunca teve medo, cujo medo sempre enfrentou.

Você precisa abrir os olhos, e acordar desse encanto que não te deixa ser aquilo que fora. Ou talvez aquilo que fora te doa, te marque, e por isso você abandonou, fugiu, deixou como se não fizesse parte de você. E eu acobertei.
Deve ser bom, imagino, afinal, qual será o sabor desse encanto? Qual será o gosto dessa calmaria? Será por isso que você escolheu a cegueira? Este é o motivo dessa venda? Diz pra mim, quem é você hoje, afinal? 

26 agosto 2014

Soberba

Veja bem, querida, que fala de aceitação, de tentativas, de amizades, de amor. 
Para mim, o nome disso é falsidade, é soberba, é manipulação. 

Não, me desculpe, eu não respeito sua suposta crença, assim como você não respeita a minha. Então estejamos acertadas. 
Eu não respeito a sua maneira de ver o mundo, porque para mim ela é preconceituosa. Para mim ela e retrógrada, pra mim ele é tola. 

Não, não falo de fé. Não falo de Jesus, de Ala, de Tupã de quem quer que seja. Falo dessa hipocrisia de falar de respeito, de deus e no final das contas estar de cabeça feita, de não ter opinião. 

Você finge, sei bem, e leva as pessoas sorrindo - talvez nunca mais voltem - com essa cara de anjo, com esse jeito de certa. Mas, talvez por te confontar, você me deteste. Por ver eu não te engolir você me esnobe e por não te concordar você delicadamente me tire da frente.