04 agosto 2015

O Mundo dos Adultos


Eu era apenas uma criança passeando pelos adultos, nos tempos que as coisas me passavam despercebidas. 

Ainda dizem que por debaixo daqueles tacos lustrados havia uma lama tão espessa que grudava nos sapatos. 
Por isso hoje, quando vejo a casa ruir para virar condomínio de luxo, penso quantas mais na vizinhança eram assim, escondidas sob o cheiro de lavanda e cera, cujos  assoalhos eram lustrados semanalmente. 
As cortinas rendadas ajudavam a formar um degradê luminoso que vinha da cozinha e esfumaça até os quartos, escondidos na penumbra no fundo de um corredor.

Eu era apenas criança e brincava na sala quando os adultos resolviam me levar pra lá. Eles falavam trivialidades sob a luz da cozinha e fingiam gostar uns dos outros - e talvez até sem gostassem alguns. 
E os quartos que nunca entrei estavam abarrotados de mágoa, de mentiras, de fantasmas que se empilhavam sob os tapetes, debaixo das camas, dentro dos armários. 

Eu era apenas uma criança, que ficava na sala de fronte ao armário de brinquedos com os quais nunca se podia brincar. Eu era uma criança cujo nariz se irritava com o perfume da lavanda, com o odor de cera nos tacos, com a penumbra que levava aos quartos.  
Mas eu era apenas uma criança e precisava esperar que me pegassem pela mão e me levassem lá pra fora. E lá fora, havia mais e mais lama, talvez até mas espessa, mais suja, mais densa; porém era lama visível, não desapercebida sob os tacos de cera e perfume de lavanda. 

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