Ilustração por Mari Fakih |
O primeiro assédio que lembro, na verdade foi na rua, com um grupo de amigas. A gente devia ter uns 11 anos, treinava handebol, e saia de camiseta e shorts para pegar o ônibus. Entre fiu-fius e gracinhas a gente ia pra casa, de ônibus, a pé, como seria possível.
Mas o mais escandaloso, ao meu ver, foi um professor de matemática que tentou sair comigo. Eu tinha 16 anos, estava no colégio, ele devia ter uns 40. Era até bonitão, malhado, um tipo OK, mas lembro que fiquei enojada e confusa. Não saí com ele, mas não denunciei ou contei para ninguém. Apenas passei e evitá-lo. Talvez porque aos 16 a rua já tivesse me ensinado que eu era deliciosa, pernuda, bundão e que isso era "assim mesmo". Talvez porque também foi aos 16 que, enquanto eu corria, indo e voltando na avenida, um cara resolveu bater uma punheta e quando passei novamente por ele disse que era pra mim. Depois daquilo por anos minhas corridas tornaram-se restritas aos parques, com guardas e grades, onde me parecia mais seguro.
Não me lembro a idade, mas já apertaram meu peito no amontoado do trem, depois daquilo aprendi a andar sempre encostada nas paredes do vagão, a andar de cara fechada na rua enquanto caminho sozinha, a tantas outras coisas.
E isso não para, pois esses dias, quando fui pegar ônibus, havia um grupo de homens no ponto, talvez conscientes, legais, mas tive medo. Por isso esperei de longe, olhando para trás a cada segundo. Quando o ônibus chegou dei sinal de longe, e corri até o ponto, passando rapidamente por eles.
Pequenas "infrações sem sinal de violência" que toda a mulher passa. Que ao longo de anos me - nos - deixaram escolada. Afinal, começa quando a gente ouve fiu fiu a cada esquina; de shorts, de decote, de vestido longo, de calça, de burca. E na verdade a gente precisaria responder e chingar, e gritar, e denunciar; mas como, se a gente tem medo, se tem a certeza da impunidade? Medo porque somos assediadas por professores, por chefes, por motoristas de ônibus, por tantos lugares. Medo porque aprendemos que é "normal", que simplesmente é assim.
Conheça mais do trabalho da Mari Fakih aqui: https://www.facebook.com/Fakih-Maa-280527268763501/