Anna era enfermeira num navio, no tempo em que viajar por eles significava normalmente abandonar tudo e desembarcar num país desconhecido, em busca de esperança.
Mas Anna, Anna era mais que enfermeira. Cuidava também das angústias da alma e da lei. Sabia a quem pedir carimbos, passaportes, favores. Sob o olhar dela desembarcavam refugiados, cujos olhos cheios de medo refletiam aquilo que se chama por massacre.
E foi sobre as ruínas às margens do Danúbio que Anna viu pela primeira vez o braço de uma criança por baixo dos escombros e decidiu que faria diferente.
Forjava documentos, assinaturas, adoções, fotografias, laudos médicos. Nenhuma criança deveria ficar, nenhuma! E em conversas de porão recriava famílias, remexia parentescos. Na despedida, de longe, via tristeza e esperança nos olhos dos pais que ficavam, apenas para esperar as bombas que viriam a cair.
Santos, Rio de Janeiro, Montevidéu. Os filhos de Anna se espalharam por essas cidades sem saberem, muitas vezes o rosto de seus verdadeiros pais. Se espalharam sem poderem deixar vestígios ou seguir rastros
Quanto a Anna? Ela mesma nunca desejou sem encontrada, vista, conhecida, reconhecida. Passou a vida de passagem até que um dia, de repente, ela não desembarcou. E sob o som da lenda, da sanfona e do violino diz-se que se desfez,
virou crista, onda e espuma do mar.
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