01 abril 2013

Os Imigrantes II

Meu bisavó, conta minha avó, viu seu pai pela última vez no trem, balançando um lenço branco de adeus. Cada um tomara o trem para um lado, afim de lutarem numa guerra tão sangrenta que em seus nove milhões de mortos, levou um deles. 
Pedro, ou Peter, sobreviveu e desde aquelas lutas nas quais o sangue formava poças tão grandes que afundavam os pés, nunca recuperou a paz de espírito.
Ainda jovem tinha os ossos do rosto tão salientes que lhe encaveiravam a face. A guerra lhe deixara também os olhos vidrados, a garganta doente. Contudo, não lhe usurpara a beleza ou o dom de tocar sanfona.
Pedro tinha também uma tatuagem, mas a memória ou os traumas de minha avó não lhe permitem dizer o que havia nela. 

Eu, obviamente, não o conheci, mas sempre ouço que em sua casa os filmes de guerra eram proibidos assim como as palavras ofensivas, as armas, o desrespeito. 
De suas mãos desarmadas fazia-se o pão mais saboroso da Mooca, que vinha embalado em jornal até a mesa dos filhos em São Caetano.  
Na casa simples, de terreno largo, pomar e flores enterrou os anos de luta, a fuga e o sangue que ainda hoje escorre sob os tapetes das embaixadas. 
A Iugoslávia sempre fora o passado árduo, a saudade eterna. O Brasil fora sempre o exílio, a pátria, parte do trauma. Mas, afinal, que importava se não podia falar sua língua? Que importava se seria sempre o estrangeiro? Que importava o que ficou para trás.
Pedro era um homem forte e para ele importava apenas contar seus filhos vivos, proíbi-los de louvar a guerra e de serem fracos. Pedro era, era sim, um homem duro, cujo rosto fragilizou-se apenas quando deixou a vida, certo de que seus filhos nunca tinham visto um tiro sequer ser disparado sobre suas cabeças. 

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