16 fevereiro 2011

Catástrofe


Vermelho ou rosa? Fosco? Brilhante? Fuxia e Garota verão? Sinto-me indecisa e levo várias opções de cores para o quarto. Enquanto decido, ligo a TV, afim de quebrar aquele silêncio estranho de estar só em casa. A novela me é indiferente. Em contraste, meus olhos atentos preenchem as unhas, borrando-as o mínimo possivel nos cantos.
"Uma mulher já foi encontrada" ouço de relance falar a TV. "Impossível de prever quando a região serrana voltará a ser a mesma" Meus olhos agora procuram-na, o telejornal é tenso, rechado de notícias das chuvas, uma após a outra. Dou os ombros "Mais uma vez, ganhando em cima da desgraça dos outros, penso ligeiramente irritada.
As notícias prossegeuem. Limpo os catinhos borrados pelo esmalte. Mães chorosas. Base fixadora. Crianças orfãs. Óleo secante. Resgates milagrosos. Ah! Milagre, estão impecáveis.
Sorrio apreciando as unhas pefeitas e por detrás dos dedos, na TV, sorri também a entrevistada que acabou, pessoalmente, de entregar as doacões aos desabrigados. Aos poucos baixo minha mão, afim de ver melhor a tela, e murmuro aflita o fato de não ter der doado sequer um grão de arroz. Repentinamente desmorono em remorso.
Meu deus, penso, aquelas criancas com as quais nunca me importei, vítimas daquela tragédia que não sei bem qual é, afetadas pelo rio que todo ano enche e por aquelas casas desbarrancadas que não deveriam estar ali... Deus meu, que horror, que horror! Meu coracao pesa, corro à dispensa, sentindo-me aflita ao procurar feijão, bolachas, água potável e barrinhas de ceral diet. De uma vez meto a mão no armário e aquele saco de arroz, tão transparente e plástico, raspa em meu indicador direito, estragando a combinacão perfeita de Garota verão e Fuxia. O chão me falta novamente, e atordoada, largo o quer que eu tenha em mãos, afim de achar acetona, palito e algodão.
De volta ao quarto, tento corrigir a catástrofe. Arrumo atenta o esmalte e antes mesmo que o tenha aplicado óleo secante observo mais uma vez a TV. O jornal terminou, e outra novela em cena, um pequeno alívio. Um casal se beija e meu olhar se perde por alguns segundos naquela imagem. Vagarosamente meu coração enche-se de alívio e esperança. Por um instante, penso que o mundo não poderia ser tão cruel para ninguém e que a vida é apenas assim, uma bela trama televisiva. A solucão eu não poderia dar a ninguém, mas ela deveria ser assim simples, tal como é recombinar duas cores distintas numa unha estragada.

3 comentários:

Camila disse...

Curti (esse Facebook vicia mesmo!rs)!

Fernando Persoli disse...

achei que vc só escrevia bem em français... bem legal o texto...

bjão ...

Léo Bosso disse...

Parabéns! Você brinca com as palavras. Fez de uma cena cotidiana uma expressão de indignação social!